A contagem da quantidade de carboidratos consumidos por refeição e ao longo do dia traz melhorias que começam a ficar visíveis pelo peso e se estendem à saúde. Isso acontece sem que seja necessário contar calorias e, portanto, sem passar fome, um receio de muitas pessoas que iniciam uma dieta. Essa característica acaba fidelizando os praticantes.
Dados históricos mostram que já se prescreviam receitas low-carb para tratar de obesidade no século passado, como descreve o livro “The physiology of taste”, publicado em 1825 por um famoso chef francês: “Obesity is caused by flour-rich and starchy foods, such as bread, cookies and macaroni”. Em outras palavras, a obesidade é causada por alimentos ricos em farináceos e amiláceos, tais como pães, bolachas e massas.
Até 1920 inexistia outra forma de tratar diabetes que não fosse por dieta, uma vez que a insulina injetável passa a surgir em 1921, quando o médico canadense Frederick Banting e seu auxiliar, o estudante de Medicina Charles Best, isolaram o líquido rosa extraído do pâncreas de um cão.
Ao contrário do que muitos imaginam, a dieta low-carb não se iniciou com o Dr. Atkins ou com o Dr. Di Pasquale das dietas anabólicas ou metabólicas. Iniciou-se em 1862, com um empresário londrino de 66 anos, obeso e com problemas auditivos, William Banting.
Ao sentir dificuldades de ouvir, dentre outros tantos problemas que vinha sentindo, ele procurou um cirurgião otorrinolaringologista, Dr. William Harvey, que identificou a origem do problema como não sendo surdez, mas, sim, obesidade. A sua gordura estava pressionando seu ouvido interno. Dr. Harvey prescreveu uma receita onde dizia: nada de açúcar ou amidos, nem cerveja ou batatas. Somente carnes, peixes, vegetais e vinho.
Não somente os problemas auditivos de Banting desapareceram como também todos os demais problemas que ele vinha sofrendo. Realizado com a cura, William Banting publicou seu testemunho em 1863, denominado Letter on Corpulence, chamando a atenção de muitos seguidores. Este foi o primeiro registro de prescrição dietética baseada em low-carb.
Em 1972, o Dr. Atkins publicou seu primeiro livro estilo low-carb. Sua ideia era restringir quase completamente os carboidratos por, no mínimo, 14 dias, e levar à redução da fome, segundo ele, para uma perda de peso mais rápida. Além disso, após esta chamada “fase de indução”, a dieta torna-se menos rígida, o que motiva a pessoa a continuar.
Princípios da dieta low-carb
A estruturação do plano alimentar está pautada principalmente sobre as quantidades e os tipos de carboidratos ingeridos. Assim, são excluídos alimentos com alto teor de carboidratos, como massas, pães de farinha branca, pizzas, tubérculos e algumas frutas, reduzindo-se grãos e leguminosas. Aumentam-se as opções de todos tipos de carnes, vegetais, legumes e gorduras.
Nosso corpo não produz carboidratos, logo, a única forma de obtenção é por intermédio dos alimentos. Os carboidratos de alto índice glicêmico são encontrados nas frutas, leite, iogurte, açúcar puro, doces, geleias e sobremesas. São compostos por uma ou duas moléculas de hidrato de carbono. Os mais comuns são: a sucrose (açúcar convencional, advindo da cana de açúcar), frutose (encontrado nas frutas), mel e xaropes de milho (tipo karo, um produto usado na confeitaria), glucose e dextrose (encontrado nas uvas e milho), maltose (malte encontrado nos grãos) e lactose (encontrado no leite e derivados).
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Quando ingeridos, o sistema digestivo quebra esses açúcares rapidamente, o que pode ocasionar picos de glicose no sangue (ou glicemia). Repetidos picos e quedas bruscas da glicemia levam a problemas de saúde ao longo dos anos, como a intolerância à glicose e diabetes.
Os carboidratos de baixo índice glicêmico, amidos, são encontrados em leguminosas (feijões, lentilhas, ervilhas), pães, massas, cereais, arroz e alimentos como batatas, milho, mandioca, cenouras. Durante a absorção, o corpo humano tende a levar mais tempo para metabolizar os polissacarídeos, reduzindo picos de glicose no sangue e mantendo-a mais estável ao longo do dia.
Parte da glicose é transportada para dentro das células através da insulina na medida em que a conversão em energia seja necessária, e outra parte é utilizada para repor as reservas de glicogênio no fígado e músculos (estoques para fins de jejum ou atividades físicas de limitada duração/ intensidade). A glicose restante é transformada em gordura e estocada no tecido adiposo.
Terapia para o tratamento de doenças e benefícios decorrentes da adoção de uma alimentação low-carb
Como a alimentação das pessoas, em geral, é composta por um volume elevado de carboidratos, principalmente refinados e ultraprocessados, vivemos hoje uma epidemia de obesidade mundial. O excesso de carboidratos na dieta também favorece o surgimento de doenças como hipertensão arterial, diabetes, doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), síndrome metabólica, intolerância à glicose e a própria obesidade, considerada pela OMS como doença crônica, já que predispõe a outros agravos.
A síndrome metabólica está diretamente relacionada a um aumento na circunferência da cintura, pressão alta, hipertrigliceridemia, níveis baixos de HDL (o dito “bom”colesterol), hiperglicemia e hiperinsulinemia. A OMS estabelece como ponto de corte para risco cardiovascular aumentado a medida de circunferência abdominal igual ou superior a 94 cm em homens e 80 cm em mulheres. Tratar ou prevenir o surgimento da síndrome metabólica é de extrema importância e um desafio aos profissionais de saúde.
A contagem de carboidratos deve ser inserida no contexto de uma alimentação saudável, respeitando a individualização do plano alimentar. Os carboidratos são os maiores responsáveis pela glicemia pós prandial, uma vez que são praticamente todos convertidos em glicose.
Portanto pacientes diabéticos, que somam atualmente 382 milhões de pessoas mundialmente, têm total benefício em utilizar-se de alimentação low-carb, resultando em redução ou até mesmo a eliminação da medicação de controle glicêmico ou insulinoterapia.
No Reino Unido, existe um programa de manejo e reversão de diabetes tipo 2, utilizando como base a alimentação lowcarb. Estipulado pela comunidade Diabetes.co.uk, ganhou aprovação oficial no NHS (National Health Service), o equivalente ao SUS no Reino Unido, passando a ser uma estratégia terapêutica com respaldo oficial, oferecida aos diabéticos pelos profissionais de atenção primária à saúde daquele país.
Dentre os benefícios da low-carb relatados por esta comunidade aos portadores de diabetes estão: redução da hemoglobina glicada (HbA1c), perda de peso, redução dos picos de glicemia, menor risco de hipoglicemia, mais disposição de energia ao longo do dia, menor ansiedade e desejos por doces ou petiscos, melhora do raciocínio cognitivo, menores riscos de complicações de saúde a longo prazo.
Em recente estudo, Adil Mardinoglu, do KTH Royal Institute of Technology, na Suécia, descreve os benefícios de uma dieta restrita em carboidratos para a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA). Os autores observaram nos participantes do estudo reduções significativas da gordura no fígado e outros marcadores de risco cardiometabólicos, em paralelo com reduções na lipogênese de novo, aumento significativo nas concentrações séricas de beta-hidroxibutirato, refletindo no aumento da beta oxidação mitocondrial e elevações das concentrações e produção de folato pelos Streptococcus da flora bacteriana.
A dieta cetogênica, caracterizada por ser rica em gordura e pobre em hidratos de carbono, é considerada um tratamento não farmacológico para a epilepsia refratária, com redução e até eliminação das crises convulsivas (ROLA, VASCONCELOS; 2014). Outros estudos recentes apontam a produção de corpos cetônicos à proteção neurocognitiva, melhorando memória e dando resultados positivos no tratamento da doença de Alzheimer, que mostra melhora quando há redução no metabolismo de glicose (SAMUEL T. HENDERSON et al,2017).
O mesmo ocorre no mal de Parkinson, em que o bypass no metabolismo energético por meio do uso dos corpos cetônicos ajuda a célula cerebral a conseguir energia, mecanismo que se encontra defeituoso nas vias normais de catabolismo de glicose.
Portanto os benefícios atingidos com uma alimentação low-carb vão além da perda de peso e redução das consequências da obesidade:
– Tratamento da síndrome metabólica
– Menor risco para doenças cardiovasculares
– Reversão da intolerância à glicose (resistência à insulina)
– Controle do diabetes tipo 2 sem medicação
– Redução do apetite e desejo por doces
– Redução dos níveis de triglicérides, insulina, glicemia de jejum e hemoglobina glicada
– Tratamento da epilepsia e redução das crises
– Tratamento do mal de Parkinson
– Tratamento da doença de Alzheimer
– Tratamento da DHGNA
O que é a Cetose?
Na ausência da glicose, o fígado produz os corpos cetônicos a partir da gordura armazenada para serem usados como fonte de energia pelos tecidos, tais como cérebro, coração, rins, músculos. Esse processo é importante para o cérebro, pois esse órgão não utiliza outras fontes de energia alternativas a partir de gorduras e proteínas.
Graças a este mecanismo metabólico para fornecimento de energia, o jejum não é algo fatal para o ser humano, retirando das reservas de gorduras o necessário para suprir a demanda na ausência de carboidratos.
Dietas com pouco carboidrato, em geral abaixo de 30 g por dia, também induzem a formação dos corpos cetônicos. Esta produção varia de organismo para organismo, de forma que a precisão é conhecida por intermédio das tiras de medição de corpos cetônicos no sangue, tendo em vista o risco que o aparecimento de corpos cetônicos representa para as pessoas com cetoacidose diabética.
Adotando-se uma dieta com alto teor de gordura, moderada em proteínas e baixa em carboidratos, resultará em cetose após cerca de 2 a 3 semanas. A dieta cetogênica pode ser iniciada adotando-se a proporção de 4 partes de gordura para 1 parte de proteínas + carboidratos (4:1). A redução de 2:1 pode ser atingida de acordo com a necessidade individual, sempre realizada com acompanhamento de profissional especializado em nutrição, uma vez que não é isenta de riscos à saúde.
Quais as quantidades de carboidratos que devem ser ingeridas para ser considerado low-carb?
A quantidade de carboidratos necessária ao dia pode variar de indivíduo a indivíduo de acordo com o metabolismo, gasto calórico, histórico de doenças, análise clínica e objetivos da dieta. Esse diagnóstico fica a cargo do profissional de nutrição.
Para evitar os picos de insulina no sangue é recomendável que não se ultrapassem 15 g de carboidratos líquidos por refeição. Compreende-se como refeição o tempo de ingestão de alimentos entre 4 a 6 horas.
Faixas de consumo de carboidratos convencionadas pelos praticantes de low-carb:
ENTRE 150 E 100 G AO DIA: Ingesta moderada – manutenção de peso.
ENTRE 50 E 100 G AO DIA: Ingesta baixa – perda de peso sem esforço, manutenção da glicemia no controle de diabetes e tolerância à glicose diminuída.
ENTRE 20 E 50 G AO DIA: Perda de peso rápida, cetose, melhores resultados metabólicos, possibilidades de reversão do pré e diabetes.
Tais limites descritos acima foram convencionalmente estipulados pelos praticantes da dieta low-carb, no entanto cada pessoa tem resultados diferentes, em limites que podem não ser os mesmos, evidenciando necessidades individuais metabólicas que precisam ser analisadas por um nutricionista. Da mesma forma, alterações nos marcadores sanguíneos podem ocorrer de indivíduo para indivíduo, o que novamente nos mostra que nenhuma dieta deve ser fixa sem que haja necessidade de ajustes individuais.
Dúvidas de quais alimentos consumir na alimentação low-carb? Veja tabela de alimentos clicando no link a seguir: http://www.revigorando.com.br/?page_id=261
Referências:
Mardinoglu A, An Integrated Understanding of the Rapid Metabolic Benefits of a Carbohydrate-Restricted Diet on Hepatic Steatosis in Humans. Cell Metab.;27(3):559-571, 2018.
Marta Rola; Carla Vasconcelos. Dieta Cetogénica – Abordagem Nutricional.Revista Nutrícias, no.22 Porto, set.2014.
Henderson, Samuel T., Janet L. Vogel, Linda J. Barr, Fiona Garvin, Julie J. Jones, and Lauren C. Costantini. “Study of the Ketogenic Agent AC-1202 in Mild to Moderate Alzheimer’s Disease: A Randomized, Double-blind, Placebo-controlled, Multicenter Trial.” Nutrition & Metabolism 6.1 (2009): 31. Web. 15 June 2017.