Autoconhecimento

O que significa ser solidário na sociedade atual?

Solidariedade
Escrito por Luis Lemos
A mentalidade individualista moderna não exclui ações de solidariedade que persistem no interior das sociedades contemporâneas. Este fenômeno humanizador remete a uma espécie de acordo semelhante que existe de fato entre os cidadãos de uma democracia: todos se sentem sujeitos às mesmas fraquezas e aos mesmos perigos.

Dessa forma, o interesse comum cria a regra de prestar solidariedade. Ou seja, ser solidário na sociedade atual significa um ato de coragem e de valor inestimável, porém frágil e de relação egoísta.

A história do pensamento ocidental fornece-nos elementos suficientes para entendermos tamanho paradoxo. Em primeiro lugar, na Grécia Antiga a cidade-estado resume a expressão concreta da coletividade autossuficiente. Por exemplo, em Atenas a organização política consiste na consulta aos 30 demos da cidade, e não a todo o povo.

Solidariedade

Neste governo democrático, o cidadão participa ativamente das decisões sobre assunto de interesse comum; há o direito à consulta, à deliberação, à resolução de questões de interesse coletivo. O contratempo da democracia resvala nas decisões coletivas em favor de interesses particulares.

Talvez por isso, Sócrates e Platão se opõem à democracia. Para eles, quem confunde bem com gosto pessoal não pode decidir o que é bom para a cidade. Mesmo assim, a invenção do poder democrático permanece como a melhor alternativa.

Com o fim da cidade-estado, a democracia subsiste no cidadão romano (Assembleia e Senado), mas se perde no regime feudal mediévico. As revoluções burguesas modernas trazem à tona a democracia. O Estado-nação substitui a cidade-estado. O Estado-nação garante direitos políticos, mas como garantir a participação de todos?

A solução não é a participação, mas a representatividade, mais ligada à diretriz do partido do que aos reclames da população. Tudo isso enfraquece a ideia de justiça e igualdade perante as leis e o bem comum e público.

Como resgatar uma democracia mais representativa e participativa? A Constituição é para todos e deve ser aplicada com severidade. O partido político deve ser instrumento público do processo democrático. Fortalecer a participação de outras instâncias: sindicatos, associações. Superar o personalismo político pela rotatividade no poder.

A democracia representativa pode ter duas consequências: a omissão ou a cobrança do representado. 
Na verdade, as questões públicas são responsabilidade de todos. A participação e a igualdade também são ambivalentes. O pressuposto da desigualdade natural do homem estabelece-lhe um lugar fixo na estrutura social: governante e governado; filósofo-rei, guerreiro e produtor (Nietzsche, Platão); estados superiores e inferiores (Hegel).

Por outro lado, a tradição democrática do renascimento defende que todos os homens são, por natureza, livres e iguais, com direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à procura da felicidade.

A perspectiva histórica recente contraria o individualismo e o coletivismo e defende a efetiva liberdade pessoal e social que permite a participação política de todo o povo: a convivência ética e democrática tornam o ser humano solidário.

Por outro lado, cabe aqui uma pergunta: existem atos e pensamentos livres? Para a maioria dos filósofos sim, principalmente quando acontece a liberdade de expressão, a vivência democrática, a cidadania, a justiça e a ética.

Somente dessa forma os dispositivos democracia, liberdade, poder e povo são fontes inesgotáveis de mudança social. No entanto, alerta Rousseau:

Todos os homens nascem livres e em todas as partes vivem acorrentados”.

Ou seja, a mudança social só acontece, de fato, quando o povo tem acesso à educação. Sem educação de qualidade qualquer nação continua sendo escrava, não existe liberdade, soberania civil e muito menos ainda solidariedade entre os povos.

Solidariedade

Enfim, sem solidariedade reinará o que profetizou o filósofo inglês Thomas Hobbes, “uma guerra de todos contra todos”.


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Sobre o autor

Luis Lemos

Luís Lemos é filósofo, professor, autor, entre outras obras, de “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas – Histórias do Universo Amazônico” e “Filhos da Quarentena – A esperança de viver novamente”.

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