Normalmente os perfeccionistas não se reconhecem como tal e acham que a sua jornada é a correta, afinal de contas, eles fazem tudo de acordo com as regras, a moral e os bons costumes. Acabam exigindo muito de si e, consequentemente, dos outros. Na evolução da pirâmide de necessidades humanas, a espiritualidade começa a ser atendida, dando assim mais espaço para o perfeccionismo se esparramar. Com tanta informação referente ao desenvolvimento espiritual, estamos vivendo uma onda de palestras com celebridade-gurus, retiros de todos os tipos (de presenciais aos virtuais), acessando milhares de técnicas de meditação e abordagens de yoga, vendo livros e vídeos serem lançados diariamente, experimentando diversos métodos terapêuticos e de cura… E tudo parece vir dentro de um script que, para os perfeccionistas de plantão, é um prato cheio!
Nessa onda de informações recebidas pela mente, atrelado ao desejo de realização da alma, são criadas expectativas do que deveria ser uma vida espiritual plena e perfeita: nada de sentir ou expressar raiva, tristeza, decepções ou mágoas… Nada de demonstrar as próprias falhas… Nada de pensamentos negativos… Nem deixar de fazer a meditação diária ou de praticar yoga… Nada de apresentar falta de foco, presença ou alinhamento… É preciso estar o tempo todo em perfeito estado de presença, alinhamento, calma, tranquilidade, oração, meditação, fala mansa e compreensão total de si e dos outros…
Que cansaço!!! Quanta energia despendida para algo desumano!
A partir do momento em que criamos a ilusão de que devemos “driblar” as nossas sombras (ignorando-as, reprimindo-as ou negando-as), ou que o nosso desenvolvimento deve acontecer de forma ilusoriamente linear, desenvolvemos uma neurose que nos impede de fazer o movimento em direção à verdadeira espiritualidade, que ocorre justamente por meio da vivência na experiência humana em todos os seus aspectos e polaridades: bom e ruim, sagrado e profano, luz e sombra, bonito e feio, prazer e dor, dia e noite…
O perfeccionista perde-se de si quando ele coloca uma meta que não inclui as suas experiências, apenas os seus desejos e as suas expectativas, o famoso “ter que” para chegar lá. Na tentativa de agradar ao outro (sendo o outro qualquer um, inclusive a própria divindade), o perfeccionista se perde de si! E isso o torna um “perfeito irreal”.
Algumas crenças construíram e permeiam o perfeccionismo e o perfeccionismo espiritual. Uma delas é a crença de que “não somos bons o suficiente” e, com isso, estamos o tempo todo em busca de aprovação (por meio da divindade, do chefe, do trabalho, das notas escolares, dos amigos e até mesmo do terapeuta – existem pessoas que não conseguem falar em primeira pessoa e terceirizam toda a fala para “o que o terapeuta disse”, demonstrando uma profunda falta de conexão consigo, um trabalho oposto ao esperado de qualquer terapia). Outra crença é a de que me doando plenamente aos outros, mesmo que descuidando de mim, eu evitarei rejeição e, assim, a pessoa deixa de cuidar do bem mais precioso que tem, que é a sua própria vida, para se tornar escravo do cuidado pelo outro (tornando o outro dependente e irresponsável pelo cuidado que deveria exercer por si próprio, como uma forma de evoluir em sua jornada). Uma outra crença é a de que se eu não atender às altas expectativas que acho que devo atender, falharei (o que pode levar aos sentimentos de culpa, vergonha e trazer a sensação de inadequação, de ser uma farsa).
Perdido de si, o perfeccionista, viciado em validação externa, busca ainda mais aprovação, mas não necessariamente se sente valorizado, já que para receber é necessário, antes, se abrir, se vulnerabilizar, mostrar as suas “fragilidades” e “falhas”, coisa que perfeccionista nenhum gosta, pois vivem a crença de que “é preciso dar antes de receber”. Também acreditam que precisam ser sempre fortes e modelos para si e para os outros, mantendo-se, desse modo, presos ao ciclo da escravizante aprovação.
Recuperar-se de perfeccionismo é mandatório para a verdadeira jornada espiritual, que inclui a realidade humana terrena e inclui o ego em toda essa experiência. Pessoas e abordagens que recomendam “abandonar o ego” estão ignorando a necessidade dele para que a jornada espiritual seja completa. A incorporação do divino inclui as polaridades. Em um planeta dual, o ego é o instrumento (o meio, o veículo) para navegarmos nele e saber lidar com esse ego (e com tudo o que ele traz) é o que nos ajudará a desenvolver a prática da tolerância, da paciência e da aceitação.
Sempre que você se perceber desconectado de si, querendo agradar ao outro para se sentir aceito ou querendo negar qualquer aspecto que você rejeita em você, pergunte-se:
- “De onde vem a crença de que devo agradar aos outros para estar bem comigo?”…
- “Como estou me sentindo agora?”…
- “Para que preciso ser perfeito?”…
- “O que posso fazer para me acolher nesse momento?”…
- “Como posso proteger a minha criança interior, que está necessitando de cuidado e amor nesse momento?”…
Estamos aqui para sermos reais, não perfeitos! Ouvir a sua voz interna e viver de acordo com a sua verdade é o que facilitará o encontro do “pequeno eu” com o “Eu Maior”, a consciência superior, a divindade. Na oportunidade de um encontro com essa consciência, com essa divindade, você conseguiria responder de maneira autêntica e espontânea à pergunta: Você foi você mesmo nessa vida?
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