Convivendo

Andar de bicicleta é pedalar por dentro de nós

A foto mostra uma mulher sorridente, loira com cabelos curtos lisos e roupas claras leves. Ela está em pé, ao lado de uma bicicleta preta e segura com as duas mãos o guidão. Na cestinha da bicicleta, carrega frutas e uma garrafa. Ao fundo, o vento sopra e inclina a plantação que remete a trigo verde.
Escrito por Daniella de Paula
Ela estava lá, parada e empoeirada, embora funcionasse perfeitamente. Já nem sabia quanto tempo aquela bicicleta não se movimentava. Talvez, pensei, o mesmo tempo que eu. Embora todo movimento exija alguma coisa, pedalar exige um espaço diferente.

Bem, parecia um convite essa reflexão. Fui lá e dei uma sacudida, passei um paninho no banco, testei o guidão e, pronto, ela estava a postos para um passeio. Do quartinho onde se encontrava até o portão de saída foi um longo trajeto. Lembrei das bicicletas anteriores, modelos, cores e passeios frustrados. Como dizem, nunca nos esquecemos como é andar de bicicleta. Verdade. Um ajuste aqui, outro ali e o equilíbrio sobre ela aconteceu sem nenhum problema.

Foto de praia em dia nublado com céu de nuvens acinzentadas, montanhas nas extremidades e no mar poucas ondas. Em primeiro plano, imagem parcial de uma mulher morena sentada em uma bike, na areia. Ela olha ao fundo.O vento frio do inverno passou cortando o meu rosto, deixando uma sensação estranha de desconforto e liberdade. Os arrepios nos braços causados pelo frio quase me fizeram desistir desse passeio que falaria muito comigo. Aliás, todos os passeios conversam ou falam de nós. 

As pedaladas geladas foram desconcertantes, mas segui adiante como se nenhum obstáculo pudesse comigo. Engano. Um monte de areia sob a roda traseira teve a capacidade de desequilibrar toda a jornada.

Manter o controle é, realmente, algo difícil, principalmente quando estamos em velocidade. Aprendi que é importante o esforço para não cair, assim como para levantar. Havia me acostumado a cair. O esforço para não cair é de outra natureza: aquela que persiste mesmo com as adversidades.

Sem avançar, não haveria a breve volta ao quarteirão. Não haveria o sol entre as frestas das árvores mesclando calor e frio em meus braços. Não haveria o ruído da catraca movendo coragens. Nem mesmo os outros ciclistas seriam vistos. Não haveria essa história para contar. 

No caminho de volta, ao passar pelo portão para deixar a bicicleta no quartinho, a trajetória já não foi tão longa. Deixá-la ali foi deixar os medos, com a certeza de que tê-los não é tão ruim assim. Talvez eu tivesse me esquecido de como gostava de pedalar.

A verdade é que sem persistir não existiriam os encontros com outros obstáculos, que foram “driblados” com mais eficiência e controle. Não haveria a dinâmica de acelerar, desacelerar, frear, parar e continuar, mostrando que, afinal, todos os encontros são modulados assim.

Foto com fundo de natureza ao entardecer mostra o céu em tons de azul com nuvens escuras no topo até esmaecer em amarelo dourado abaixo. Ao lado esquerdo, silhueta parcial de uma pessoa em pé, com braços apoiados no guidão da bike.

Fui andar com a minha bicicleta empoeirada e acabei pedalando pelos espaços dentro de mim. Às vezes, andar de bicicleta não é só pedalar. Nem montes de areia são só montes de areia.


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Sobre o autor

Daniella de Paula

Daniella de Paula formada em comunicação e filosofia. Propõe breves reflexões sobre a vida cotidiana.

Email: danidepaulla@gmail.com
Twitter: @acolunista