Ele é duro, dá pulos como uma criança birrenta, machucando os seus calcanhares no chão. Ele grita e dá ordens, fica rouco e sem ar. Ele sabe o que é certo, o que devo ou não fazer, o que devo ou não dizer, como devo me comportar. Ele acredita piamente que sabe o que é melhor para mim. Não se importa com o que eu sinto. Talvez até desconheça o significado dessa palavra, “sentir”. Não se importa com o outro, é egoísta. Sua arma mais eficiente é o medo. Me ameaça, quase me faz perder a fé e a confiança em mim mesma, no outro, na vida…
O pequeno ditador que habita em mim olha para frente ou para baixo. Desconfio que não saiba da existência das estrelas. Jamais olhou para o céu. É um pássaro que bica, gananciosamente preocupado com migalhas. Desconhece o voo.
O outro, para ele, é sinônimo de perigo. Nunca experimentou o carinho, a bondade, os gestos simples das pequenas gentilezas de estranhos: um sorriso, um dar passagem, uma informação, um “bom dia”, o mais simples olho no olho. O amor, para ele, é de mau gosto, futilidade, perda de tempo.
Eis que no tempo devido, nem antes, nem depois, mas quando é, o mistério se apresenta…
O mistério é a natureza das coisas.
Sou tomada por uma força tão potente e ao mesmo tempo tão delicada.
Ganho coragem e convido o pequeno ditador que habita em mim para deixar o centro da minha mente e se sentar ao meu lado.
Ele fica surpreso, mas também impactado por essa força delicada, maior do que ele, maior do que eu, do tamanho do mundo.
Ele se senta.
É tão pequenino! Do tamanho do meu polegar.
Ofereço ao pequeno um gigante chá. Camomila.
E ele, então, começa a chorar… Sem cessar, com soluços, gritos, raiva, saliva, secreções, com ranger de dentes, com fúria, ciúmes, com medo, tanto, tanto, tanto medo…
Eu o observo.
Ele continua a chorar com ódio, ira, inveja, mágoa e desamor, tanto, tanto, tanto medo…
À medida em que vai chorando, sua cabeça se torna menor e ele vai ganhando corpo. Ele vai crescendo até ficar do meu tamanho.
O choro agora é só um pranto antigo, um rio de lágrimas. Aparece em seu rosto um grande sorriso, sincero e límpido.
Eu lhe olho, lhe vejo, lhe sinto, compartilho sua dor, começo a conhecer em mim a compaixão… O pequeno ditador que habita em mim sou eu…. O pequeno ditador que habita em mim também sou eu!
Então, algo luminoso começa a pulsar em seu peito. Um coração. Quente, amoroso e sincero.
Ele se torna um belo homem.
Há um profundo silêncio entre nós.
Há um profundo respeito entre nós.
Nos abraçamos.
Ele me agradece.
Eu o agradeço. Peço que esteja comigo, que me alerte de perigos, que me proteja durante o voo.
Ele consente.
E seguimos juntos, de mãos dadas, sentindo o cheiro da camomila. Agradecendo e soltando uma grande gargalhada.
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