“De certa forma, somos todos imortais, uma vez que algo de nós se transmite aos que nos rodeiam e aos nossos herdeiros por meio da propagação.”
O trecho acima é de um livro intitulado “De frente para o sol: como superar o terror da morte”, do psiquiatra e psicoterapeuta norte-americano Irvin Yalom. Nele, o autor discorre sobre algumas possibilidades de enfrentamento e ressignificação da morte, sobre a sua experiência ao longo dos anos trabalhando com pacientes terminais e sobre a necessidade de encararmos a morte sem hesitação, tal qual fazemos com outros medos, entre outros temas.
Vou pontuar aqui algumas ideias interessantes do livro e, ao final, deixo as referências para quem se interessar em lê-lo por completo.
A citação que abre o artigo trata-se do conceito de propagação, a crença de que podemos continuar existindo, não em nossa personalidade individual, mas por meio de ações e valores que se propagam pelas gerações seguintes, que pode ser um consolo poderoso para aqueles que se deparam sob a inevitável sombra do fim.
Dentro desse conceito, o autor destaca a força da “gratidão” como forma íntima e verdadeira, não apenas de agradecimento, mas de ligação profunda entre as pessoas.
Segundo ele, a mensagem que precisa estar implícita para que a ideia se torne efetiva é a seguinte: “Eu incorporei algo de você em mim. Isso me mudou e enriqueceu, e vou passá-lo para outras pessoas”. Esse tipo de conexão, que excede o simples fato de estar em dívida com o outro, permanece por toda a vida e por meio das gerações.
A ideia de que podemos deixar algo de valor embutido em alguém, mesmo para além do nosso conhecimento, concede uma resposta bastante útil para aqueles que acreditam que a ausência de significado deriva da finitude e da transitoriedade.
O temor frente à morte: A negação do fim
“Quanto mais se fracassa em viver, mais medo se tem da morte.”
O simples pronunciamento da palavra “morte” e informações de que familiares, amigos ou conhecidos faleceram evocam, em certas pessoas, pensamentos e sentimentos reprimidos guardados a sete chaves. A negação da morte nos impõe um preço muito alto e traz como consequência o encarceramento da vida interior e a distorção da racionalidade.
O medo de encará-la de frente cria problemas que podem, a princípio, não parecer diretamente relacionados ao fator morte. A morte tem um longo alcance e um impacto que é, muitas vezes, oculto. Embora esse medo possa paralisar totalmente alguns, muitas vezes, ele é dissimulado e se expressa por meio de sintomas que parecem não ter nenhuma relação com a mortalidade.
Mas há também aquelas pessoas que se relacionam com esse temor de outra maneira, “por meio de manifestações disfarçadas, a exemplo de uma religiosidade excessiva, um acúmulo obsessivo de riquezas, e, até mesmo, sob a forma de propagação de realizações e desejo cego de poder e honraria”. Nesse caso há uma visão equivocada de imortalidade.
A ideia da morte nos salva:
Irvin ressalta que o confronto com a morte não deve resultar em um desespero que possa privar a vida de algum sentido. Ao contrário, esse embate pode ser uma experiência que faz despertar para uma vida mais produtiva e plena.
De acordo com o autor, muitas histórias de mudanças dramáticas e duradouras catalisadas pela confrontação da morte sustentam essa visão. “Enquanto trabalhei intensivamente, por dez anos, com pacientes que enfrentavam a morte por câncer, descobri que muitos deles, em vez de ceder a um desespero narcotizante, mudaram drasticamente para melhor”.
Mas como identificar as experiências reveladoras em pessoas que não passaram por situações gravíssimas ou de quase morte?
Na visão do autor, os principais catalisadores para uma experiência reveladora são os acontecimentos urgentes da vida:
– Luto pela morte de alguém com quem você se importa;
– Uma doença que ameaça sua vida;
– O fim de um relacionamento íntimo;
– Um marco importante na vida, como um grande aniversário (50, 60, 70 anos e
assim por diante);
– Um trauma catastrófico, como um incêndio, um estupro ou um assalto;
– Filhos saindo de casa (o ninho vazio);
– Perda do emprego ou mudança de carreira;
– Aposentadoria;
– Mudança para uma casa de repouso;
– Finalmente, sonhos poderosos que carregam uma mensagem do eu mais
profundo podem servir de experiências reveladoras.
Agora, faça um pequeno exercício de reflexão sobre esses catalisadores e perceba se você já passou por algum deles. Se a resposta for sim, imagine um cenário diferente do ocorrido e pense sobre as possíveis consequências derivadas dessa mudança.
Abraços, até a próxima!
Yalom, Irvin; De frente para o sol; tradução de Daniel Lembo Schiller. 2008. 224p.editora: Agir – Casa dos Livros.
“Eu andava lentamente para o meu fim, certo de que a última batida do meu coração seria gravada na última página do meu trabalho e que a morte estaria levando apenas um homem morto.” – J.P. Sartre.
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