1, 2, 3, a nossa, e 4, a do meu primo.
A nossa, com fachada de tijolinhos aparentes e um canteiro abaixo do janelão de correr com vidros triangulares. Espaço pequeno, no entanto, perfeito para a minha mãe plantar uma diversidade de roseiras escandalosamente divinas.
Ao lado esquerdo da porta arredondada de entrada, um quadradinho delimitado pelos mesmos tijolinhos aparentes. Lá, a minha mãe enterrava o umbigo de algum recém-nascido, inclusive das minhas 3 filhas, junto ao pé de uma charmosa arvorezinha com folhagem vermelho escuro.
E nesses dias, menina, eu nem pensava em plantar nada além de bananeira.
Feito que nunca consegui, só dentro da água e sem marola.
Nem estrela nem bananeira, nunca tive aptidões olímpicas, quando muito cambalhota… E na cama!
Curiosa que sou, não mais menina, descobri por acaso o nome da arvorezinha: Leiteiro Vermelho. A ingestão das folhas causa intoxicação por causa do látex e provoca queimaduras na pele.
Nunca intoxicou nem queimou, apenas encantou. Generosa, sombreou a entrada da casa.
Taurina que sou, dizem os astros, caseira, gosto de estabilidade e muita terra para plantar.
A obsessão por uma casa maior, com terreno para esverdear o solo, seguiu até encontrar.
Há 17 anos, uma casa com bom preço, aguardando uma família grande e uma bela reforma, plasmou-se no bairro do Butantã.
No fundo da casa, temos uma área de lazer para usar e contemplar em sintonia com o pulsar de um lar. E é lá no fundo que batia o coração da casa.
E você logo entenderá o porquê o verbo no passado.
Um coração verde foi plantado na área de laser sob o disfarce de uma Palmeira Triangular.
Com os seus talvez 1,5 metro de altura, trouxemos a mudinha viçosa do Ceasa, por sugestão de um cultivador japonês, um falso profeta que assegurou: não passa dos 3 metros.
Plantada em uma cama de grama, junto à parede amarela que intensifica em dourado quando nela toca o sol, a palmeirinha pisou tímida na terra, fincou raiz e, sem pressa, com vigor, apoderou-se do espaço.
Virou dona do pedaço de chão, tomou conta da casa, alegrou a vista das visitas que para ela faziam declarações de amor: “Ai, que linda essa palmeira! Me diz o nome que ela tem!”.
Participou de festas, churrascos, ouviu música alta e até mesmo o sertanejo brega do vizinho sem reclamar.
Aceitou sem queixas fingir que era poste para litros de xixis do nosso piá. Um labrador chocolate que o nome já entrega: gaúcho, bah, filho de mãe Prenda e pai Guri.
Confidente, curandeira e conselheira em minhas horas de angústia.
Eu olhava para a sua cabeleira lá no alto, percorria o seu corpo e baixava os meus olhos úmidos até as suas raízes. E sem pedir licença, enlaçava os meus braços apertando o seu tronco até a minha dor passar.
Quanto mais me unia a ela, mais sentia a sua seiva pulsando no tronco no mesmo ritmo do meu coração a vibrar. Tivemos longas conversas, eu e ela.
Dos máximos 3 metros profetizados pelo cultivador, alcançou quase 7 de altura.
As folhas eretas e arqueadas, em um tom verde-azul-acinzentado, só elas, alcançaram quase 3 metros de comprimento.
A Triangular agigantou-se, procurou se escorar na parede, espichou e desviou com delicadeza da beirada do telhado. Chegou pertinho do terraço, onde tem um tanto assim de plantas, e começou a se curvar.
E de lá, a gente admirava o grande leque de folhas longas, rasgadas e abertas. E, por meio delas, avistava o céu inteiro até onde os olhos pudessem alcançar.
Os mais racionais diziam: “Ih, essa palmeira vai fazer um estrago, está quase caindo, vai ter que arrancar!”.
Mudo eu, mas daqui ela não muda. Teimei. É aqui que ela vai ficar!
Em São Paulo, antes terra da garoa, hoje, a tempestade chega sem a gente esperar.
E foi em uma madrugada, dessas de raios e trovoadas, que a Triangular não resistiu.
Curvou a cervical com a majestosa coroa composta pelas pesadas folhas, ligada ao topo do tronco. Pesou, pesou, até se soltar.
E do quarto onde durmo, acordei com o baque forte. Fechei os olhos e voltei a dormir. Covarde. Não querendo acreditar.
No dia seguinte, vi o alto tronco ereto e firme de pé. E a coroa no chão.
Só depois de uma semana tive coragem de pedir ajuda para retirar o que sobrou da minha Triangular.
Forte que só, imensa! Do tamanho dos sonhos que eu imaginava concretizar.
Passou de planta para parente e de parente passou para antepassado.
O tronco? Vai ficar por lá, até quando ele quiser. Saio eu, mas ele não sai.
Pretendo enfeitar com orquídeas nessa primavera, homenagem à minha Triangular.
Obrigada pela lição de resiliência, minha amiga, obrigada por me escutar!
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