Nascemos tranquilos, apesar dos gritos desesperados causados pelo impacto do ar que respiramos pela primeira vez. Afinal, não precisávamos fazer nada, pois tudo acontecia naturalmente; dormíamos numa bolsa de um líquido quentinho que nos agasalhava, alimentava, embalava…
Daí, ganhamos vida própria e iniciamos a jornada de nos tornarmos independentes e, para tanto, necessitamos fazer nossa parte. Nada vem prontinho como antes, ou seja, ninguém pode fazer por nós e, dessa forma, temos que fazer nossa parte.
Temos que aprender a respirar, comer, digerir, defecar e tudo depende de nós. Mas, mesmo com toda segurança do colo materno, nos sentimos abandonados à própria sorte.
Mas, vamos dando um jeito e levando, principalmente depois que já aprendemos a chorar quando precisamos de algo. Sim, por que cada choro tem tons e significados diferente, como fome, insegurança, sede, “dengo”, entre outros.
Então, passamos para a fase seguinte, que é a da comunicação. Entre gracejos e sorrisos estendemos as mãos aos que nos agradam e nos encolhemos diante dos que não desejamos estar perto.
Saímos do colo para o chão e, rastejando, vamos aprendendo a dominar nosso sentido de equilíbrio e fortalecendo nossa musculatura para andar, caminhar e correr.
Falamos, entendemos, contamos histórias dos amiguinhos invisíveis, brincamos, brincamos, brincamos… Vivemos para brincar!
Aprendemos a dominar o corpo físico por meio das brincadeiras, porque tudo tem que ser prazeroso e nada é aceito por imposição. Demonstramos rebeldia diante das situações em que somos obrigados a fazer do jeito dos adultos, mas, em alguns casos, não tem jeito, e o melhor é ceder. Afinal, estamos aprendendo.
Somos alfabetizados e aprendemos a competir, porque apesar do fato de não sermos desse jeito, temos que aprender. Isso porque a imposição é feita de forma intensa, disciplinada e sistemática por repetição. Iniciamos o processo de nos transformamos em marionetes.
Temos que fazer igual a todos para que o mestre nos contemple com estrelinhas ou boas notas e, assim, poderemos estar em paz com nossos pais, que se orgulham de nossa postura mecânica e automática.
Iniciamos um novo sistema de aprendizado, não mais pela experiência, mas, pela repetição de informações que devem ser acumuladas na memória, com o objetivo de agradar a todos.
Deixamos de brincar para aprender e passamos a nos preocupar em aprender pelo método de repetição e receber de volta o elogio. Então, nos acostumamos a fazer as coisas não mais pelo prazer e sim para que os outros nos aprovem e nos elogiem, seja com palavras ou presentes para compensar nosso esforço do aprendizado.
Esforço do aprendizado que antes era pelo prazer: respeitar o horário de todos, para entrar na escola, almoçar, tomar banho, fazer o dever de casa, jantar, dormir para acordar cedo no outro dia e repetir todo o sistema.
Brincar se tornou um mero acontecimento de merecimento: se fizer tudo como todos querem teremos um pouco de tempo para brincar. Então o prazer vai embora e desaprendemos a sentir prazer pelo simples prazer, que é natural!
Aprendemos a olhar para o outro e definimos a melhor coisa a fazer para não desagradar. Fazemos muito pelos outros e pouco ou quase nada mais para nós mesmos.
Bem, já nos tornamos adultos e o aprendizado que serviu para nos educar mostra que entendemos tão bem a lição que passamos a competir não mais com os outros, mas conosco mesmo!
E como a competição é por melhores condições de vida, ter melhores empregos, melhores salários, automóveis, casas, viagens, roupas da moda, aparelhos eletrônicos para nos induzir à diversão, entre outras coisas.
Não temos mais tempo para nada. A vida passa tão depressa que nem sentimos mais o tempo passar.
Quando chega o final do dia percebemos que não fizemos tudo que deveria e frustra a ideia de não agradar a parte interna que nos cobra.
O dia não tem mais 24 horas, a semana encurta e não tem mais sete dias; os meses idem e não apresentam mais 30 dias. E o ano então? Puxa, ontem foi Natal, ano novo, aniversário, feriado, férias, caramba… Então pensamos assim: estou ficando velho e não consigo dar conta de tudo que planejei conquistar e começo a sentir medo.
Medo de não ser competente, incapaz de não conseguir porque não tenho mais tempo suficiente; começo a sentir que o corpo já não ajuda muito a ter a mesma velocidade e intensidade para gastar a energia necessária e o tempo passa.
Então deito para dormir, mas, não consigo, pois minha mente procura desesperadamente uma alternativa para solução dos problemas que enfrentarei amanhã. Saio apressado e não me alimento bem, porque o tempo não é suficiente para vencer o trânsito, chegar ao trabalho e poder dar conta de toda agenda, que já sei que não irei conseguir porque não tenho mais tempo para fazer tanta coisa, embora o meu chefe, me cobre porque, senão, o outro pode fazer… mais jovem, mais vitalidade e pretendendo tomar meu lugar porque ainda está construindo seu futuro.
E o meu futuro, como será?
Não sinto mais o presente, vivo com o pensamento no amanhã, porque tenho que dar conta de realizar meu projeto de vida… meu projeto?
Ora, eu só brincava, aprendia pelo prazer e não necessitava de mais nada, além de prestar atenção ao meu corpo e satisfazer os desejos do meu organismo.
Não consigo mais sentir, nada além de planejar e correr atrás para realizar.
Quando o corpo já não responde a tanto desempenho exigido, adoeço e então eu paro. Obrigatoriamente paro num leito e necessito de cuidados dos outros. Não me agrada porque não posso desperdiçar esse tempo e muito menos me tornar dependente das pessoas.
O corpo inerte não consegue silenciar a mente que continua correndo, desenfreada atrás do prejuízo. Mas, sabiamente o corpo nos avisa por meio da dor de que devemos parar.
Então, voltamos a origem e reiniciamos o exercício de prestar atenção ao corpo, que nos avisa que se não fizermos o melhor para nós, ele irá se manifestar por meio do sofrimento, que é sentir a dor.
Se aprendemos a lição entendemos que a dor ensina e é um dos melhores mestres, porque é silenciosa e eficiente.
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Lembramos de como podemos sentir o prazer de estar presente aqui e agora nesse corpo físico que construímos para experimentar.
Percebemos que a sabedoria é melhor do que o conhecimento, porque pelo prazer ou pela dor, temos a experiência que é bom estar aqui e agora para sentir o quanto somos e podemos.