Nunca tive problemas em admitir as fragilidades de uma insegurança ingênua, adocicada com o gosto amargo dos tropeços e enganos. Das coisas mais demoradas e difíceis para mim são as despedidas. Regularmente, em dias barulhentos de saudade ou bagunça, me movimento ao lugar das partidas. Um ato simbólico para despedir-me de versões antigas. É como se, a cada passagem de trem, eu tivesse a chance de colocar tralhas de mim. Sem passagem de volta. Sem roteiro definido.
Sempre foi difícil arrumar as malas. Não sou econômica na vida, o que dificulta algumas escolhas. Não é possível conciliar tudo, mas também é preciso adquirir muita maturidade para identificar o que faz parte da nossa história e o que, por vezes, o vento e as palavras trazem por engano. Conhecer os próprios limites e valores é a única coisa necessária para não correr o risco de compartilhar viagens erradas ou aceitar destinos que não são nossos. E é uma ilusão achar que a troca de vagão trará um novo lugar.
Todas as vezes que estive naquela estação, senti o peito pequeno, mirrado. Contorcido de apertos colecionados e mal resolvidos. Com o peito fechado, fica difícil receber as coisas boas espalhadas por aí. Os olhares leves e serenos. Os sorrisos pintados de mundos desconhecidos e fascinantes. Sem o peito apto a receber as ofertas do tempo, é pouco provável que as coisas passem junto com os dias. E é arriscado demais acordar com a sensação de estar vivendo sempre no mesmo lugar.
Quando o trem finalmente chegou, eu estava distraída. Como tantas vezes, acariciei algumas dores já bem acomodadas no espaço sucateado do peito, buscando nos seus olhos motivos inventados para ficar. Quase com o timing perdido, percebi que há coisas que as mãos já não conseguem carregar, e que a garganta cospe fora por, finalmente, entender que nunca será possível regurgitar nenhum problema que não faça parte de si mesma. Fica fácil entender quando paramos para pensar que de nada adianta tomar remédio no lugar de quem está doente.
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