O melhor remédio para o homem é o homem.
O mais alto grau da cura é o amor”.
Paracelso
Conhece-te a ti mesmo. Essa era a inscrição gravada na entrada do oráculo de Delfos, talvez um dos mais famosos da antiguidade. Na Grécia clássica, o local estava consagrado a Apolo, o deus da mântica, das artes e também da cura; talvez a indicar que a cura passava pelo autoconhecimento.
Amplamente visitado, o oráculo acolhia consulentes de várias nacionalidades e profissões, agricultores perguntando pela colheita, guerreiros pelo desfecho das guerras, políticos acerca das coisas da pólis; talvez até Sócrates, o grande filósofo ateniense, o tenha visitado.
Filho de Zeus e Leto, Apolo, na origem, era um deus lunar agrário guardador de sementes, que, com o passar dos tempos, se tornou o próprio deus sol, o mito comporta essas ambiguidades. Realizador de equilíbrio e da harmonia dos desejos, não visava supressão das paixões, nem das pulsões humanas, mas orientá-las no sentido de uma espiritualização progressiva mediante o desenvolvimento da consciência.
No ocidente, essa sabedoria foi deixada de lado pelo pensamento judaico-cristão que suplantou a multiplicidade do panteão olímpico e o convite ao equilíbrio, passando a imperar uma visão maniqueísta das coisas a qual fundamentou uma longa e funesta cruzada do bem contra o mal, da qual ainda somos herdeiros.
Delfos foi abandonada com o advento do cristianismo e o templo, destruído em 390 d.C. pelo imperador Cristão Teodósio I. O conhece-te a ti mesmo se perdeu na mudança de regentes. Bem, muito do próprio conhecimento antigo foi destruído, soterrado ou ardeu em fogueiras. Algumas obras se salvaram, mas ficaram restritas às paredes dos conventos, longe dos leigos que deveriam permanecer na escuridão recebendo a palavra divina pela voz de seus intérpretes, os clérigos da igreja.
Mais de mil anos depois, a psicologia, que, etimologicamente, significa o estudo da psique, recupera esse pensamento. Sigmund Freud, um médico neurologista austríaco, marca o século XX ao introduzir o conceito de inconsciente buscando ampliar o entendimento do humano; a hipótese foi construída a partir do estudo de seus pacientes, mas também de uma arguta observação de eventos cotidianos como atos falhos, sonhos, chistes, entre outros fenômenos. Embora fosse um neurologista, sua teoria propõe-se a explicar não apenas o comportamento dos pacientes, mas também dos indivíduos que não apresentam sérios transtornos psíquicos, mostrando que é uma ilusão acreditar que a consciência exerce o controle dos nossos pensamentos, desejos e ações. Há muita coisa que nos escapa e aí mora um grande perigo.
Sua teoria gera controvérsias, mas certamente abre caminho para a psicologia profunda. Nesses pouco mais de 100 anos, surgiram diferentes linhas na psicologia, com diversas visões, ênfases e métodos, mas cada qual a sua maneira procura levar o sujeito a entrar neste universo que é ele mesmo para fazê-lo viver melhor, pois nosso desconhecimento de nós mesmos produz muita insensatez, amargura e miséria; em suma, muito sofrimento em nós e nos outros. E o sofrimento pode ser transformado por aquela máxima presente no Oráculo de Delfos.
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