Grande parte dos problemas que a humanidade enfrenta hoje está relacionada à idolatria da “lei da escassez”, aquela premissa fundamental da ciência econômica do ocidente que diz: “as necessidades humanas são ilimitadas, mas os recursos ou produtos para satisfazê-las são limitados”.
As leis das ciências sociais são derivadas da observação do comportamento humano e suas consequências, e, uma vez inferidas e aceitas pelas elites de estudiosos da matéria, elas passam a fazer parte dos livros didáticos, dos currículos escolares e das práticas relacionadas ao tema, influenciando o viés dos novos pensadores e dos novos participantes do contexto social destas ciências. Nos sistemas econômicos vigentes, parece que as práticas estão impregnadas de vários axiomas mórbidos, derivados da lei fundamental da escassez:
Nos pressupostos econômicos, as necessidades humanas são basicamente definidas como sendo de natureza material, voltadas à sobrevivência, ao conforto, ao bem-estar físico e à eficiência das atividades socioeconômicas do homem: produtos ou serviços são necessários para satisfazê-las. A oferta de valores subjetivos, como a integração holística com o Universo, a amizade, o amor e a espiritualidade, não satisfazem as necessidades humanas no âmbito da economia, e portanto, não devem estar nos currículos escolares que formam o ser produtor-consumidor, nem nas relações econômicas de produção e distribuição de riqueza. Na pequenez da compartimentalização do conhecimento humano, tais valores devem ser abordados por outras disciplinas. Quem se aplica no ofício do desenvolvimento econômico, pessoal ou da sociedade, não há que se importar com valores não econômicos, a não ser que, possuindo uma visão social e humana que ultrapasse as barreiras da economia, consiga incluir em sua filosofia de vida e de trabalho, valores éticos, ecológicos e humanos. Afinal, “não é nada pessoal, são apenas negócios”. É como muitas das ações antiéticas e desumanas, realizadas para garantir o lucro e o sucesso econômico, são justificadas.
O valor dos recursos ou produtos é diretamente proporcional à sua escassez. O ar, a água, as florestas, por exemplo, tem pouco ou nenhum valor, porque, por definição, são abundantes na natureza. Enquanto as dádivas da Mãe Terra não se tornarem escassas pela sua delapidação e destruição não há que se dar valor a tais ofertas, de acordo com a “lei da escassez”.
O ser humano não pode limitar seu furor de produzir cada vez quantidades maiores de produtos e serviços, eis que a economia, para engajar toda a “população economicamente ativa” nos processos de produção e distribuição de riqueza, e para adequar a oferta a um consumo de potencial ilimitado, conforme quer a “lei da escassez”, requer produção cada vez mais intensa, propiciando mais lucros às empresas, mais empregos aos trabalhadores, melhor padrão de vida para a sociedade e novos investimentos que fazem girar cada vez mais veloz a máquina da economia. Máquina econômica que, quanto mais rápido gira, mais degrada o meio ambiente, a saúde física e mental do ser humano e sua própria ética, pois na corrida econômica vencem os que chegam à frente. Não importa como.
Mas a roda econômica é “auto-regulável”. Ela dispõe de – e inclui em si mesma – um conjunto de indústrias “curativas”, “preventivas” e “normativas”, que visam assegurar sua “sustentabilidade”. Aí está a indústria da cura, com seus laboratórios farmacêuticos, suas corporações médicas, sua aparelhagem investigativa de diagnósticos e seus complexos hospitalares que, sobrepondo à ética, o retorno de seu investimento e a indiferença pelo sofrimento humano, tratam de curar os efeitos colaterais causados pela máquina econômica. Aí está a indústria do direito, com suas corporações de juristas e tribunais, em todas as instâncias que, com justiça ou sem justiça, tratam de punir ou absolver quem não obedece às regras do jogo. Regras de aplicação tão mais severa quanto menor a representatividade dos envolvidos na roda da economia. Aí está a indústria da segurança, com suas corporações policiais e complexos penitenciários, corruptos ou não, cujo equipamento ofensivo ou defensivo, incluindo seu treinamento – ou falta dele – e sua experiência – ou falta dela – não poucas vezes são utilizados contra quem supostamente deveriam defender. Aí está a indústria das leis, com suas corporações políticas, câmaras e assembleias, em todos os níveis, mais corruptas que não corruptas, cuja energia é principalmente devotada a disputar o poder político, que definem as regras que todos devemos seguir para assegurar, sobretudo, que seus privilégios sejam mantidos e aumentados e que a roda da economia não saia de seu eixo. Assim, assegurado o seu funcionamento, com a suposta garantia de que as consequências indesejáveis serão as mínimas possíveis, a roda da economia continua girando, recheada com o inflado “PIB” das indústrias curativas, preventivas e normativas custeadas pelo achaque à população: preços impagáveis dos produtos e serviços da saúde, impostos exorbitantes e a corrupção bilionária; indústrias essas cada vez mais justificáveis – quanto maior a roda da economia – e cada vez menos efetivas – quanto maior a inépcia e menor a consciência de seus protagonistas.
A competição por bens materiais é a única maneira de assegurar sua obtenção, já que não há para todos, nem para todas as necessidades de cada um, de acordo com a “lei da escassez”. Assim, a competitividade é um requisito supremo na avaliação do desempenho do homem econômico. E o tamanho de seu sucesso é a medida das conquistas em suas aventuras econômicas. A disputa pelo poderio econômico é uma guerra mundial, seja ela desarmada, como quer a ética e os direitos humanos, ou armada, como requerem os pretextos de segurança nacional e pessoal, e de erradicação das ameaças à paz mundial.
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A competição é a lei dos mais fortes, que, cada vez mais fortes, pela inércia da progressão do desenvolvimento econômico, cria, em oposição, um contingente de “cada vez mais fracos”, que não mais capazes de orbitar em sincronia com a roda da economia, acabam marginalizados na vala comum da miséria humana.
As dádivas da natureza, cujo propósito é servir à integridade do homem, em todos os seus veículos, físicos ou sutis, são chamadas, no contexto da economia, de recursos naturais, e depois de trabalhados para a utilização nos processos produtivos, tornam-se a matéria-prima para a produção de bens materiais, em grande parte substitutos artificiais dos meios naturais de integração do homem com suas raízes orgânicas e com o esplendor da energia cósmica emergente nas ofertas da Mãe Terra.
O homem, de natureza orgânica, mental e espiritual, concebido para ser perfeito e assim permanecer, desde que integrado à natureza, bem como à beleza que ela irradia, e à paz interior que ela inspira, no âmbito dos conceitos econômicos assume o papel de consumidor e de recurso humano, insumo do processo produtivo. Como tal, é nesse papel, de consumidor e produtor, que ele deve se sobressair aos demais, numa competição desenfreada para assegurar os primeiros lugares na maratona do bem-estar material que o poder econômico propicia.
E a Mãe Natureza, de cujo ventre arrancam-se violentamente suas dádivas, como ovos de ouro, morre aos poucos, violentada por seus próprios filhos, exaurida de suas energias, suas entranhas rasgadas, suas águas apodrecidas, seu ar irrespirável, sua fauna em extinção. É o ser humano assassinando a própria mãe que lhe quer doar o ambiente ecologicamente perfeito para a sua constituição orgânica e para a vivenciação de sua experiência humana, em consonância com as leis universais e no aconchego de seu lar sagrado.
Ao argumento de que outras ciências fazem parceria com a economia, visando tornar sua prática sustentável, contrapõe-se a constatação inegável do quadro deteriorado e convulsionado em que as sociedades se encontram hoje, como resultado da disputa pelos recursos naturais limitados, deflagrada pelas necessidades materiais ilimitadas.
E não há ideologia política, religiosa, ou sistema econômico que resista à ganancia e à irresponsabilidade do homem. A história nos conta essa realidade. Em mãos de quem quer que esteja o poder, sejam elas de agentes políticos de qualquer ideologia, eclesiásticos ou econômicos, ele é sempre exercido para o proveito próprio de quem o detém. Portanto, não se trata de discutir qual a melhor ideologia política, a melhor religião ou o melhor sistema econômico; mas sim, como transformar o homem para torná-lo um ser cooperativo e não competitivo; altruísta e não egoísta; ético e não desonesto; pacífico e não guerreiro; equilibrado e não extremista; respeitoso e não irreverente; autônomo e não dependente.
Trata-se sim, de se rediscutir o conceito de sucesso, palavra que hoje se lê: $uce$$o! Que tipo de conquista faz o homem ser bem-sucedido? O que o faz realmente feliz? Quais devem ser seus reais valores: os financeiros? os materiais? os sociais? os familiares? os profissionais? os que propiciam o crescimento da coletividade humana em direção à consciência cósmica? Se todos eles o são, onde cada um deve se situar na escala de valores do homem? Quem deve definir em que nível da escala tais valores devem se posicionar: a sociedade? a mídia? a igreja? o governo? ou ele próprio? Como fazer da educação um instrumento para preparar o ser humano para ser ele mesmo o protagonista destas escolhas?
Se os primeiros pensadores econômicos pudessem ter antevisto as consequências da interpretação econômica que fizeram do comportamento materialista da sociedade em seu tempo, provavelmente teriam enunciado premissas econômicas mais em linha com a natureza evolutiva do homem, no sentido da matéria para o espírito:
“Os recursos que asseguram a paz social e individual, proporcionando a felicidade dos seres humanos, são ‘ilimitados’, pois são renováveis, recicláveis e expansíveis, ou provém de dimensões onde tempo, espaço e matéria não são relevantes; e as necessidades materiais dos seres humanos são ‘limitadas’ ao seu direito e à sua responsabilidade de preservar sua saúde física e mental, e garantir a realização de suas experiências sociais e individuais espiritualmente evolutivas”.
Mas, para isso, ao homem teria sido necessário um mínimo de conhecimento de si mesmo, de sua natureza espiritual, para que seu comportamento, à época, ensejasse o enunciado de leis econômicas holisticamente abrangentes, que integrasse, numa só ciência, a economia, a ética, a ecologia, a política e a espiritualidade.
A “lei da escassez”, então, baseia-se numa característica humana, o apego à matéria, que precisa ser superada, sob pena de ser a vida no planeta inviabilizada em curto prazo. As autênticas necessidades humanas devem substituir as necessidades ilusórias e superficiais, ditadas pela vaidade e pelo comodismo, e reforçadas pela propaganda ostensiva ou sutil. Por outro lado, a natureza provê, em abundância, os recursos para a sustentação do homem em sua caminhada rumo ao seu autoconhecimento, verdadeira razão para suas experiências neste planeta. Se este plano cósmico, milagrosamente elaborado, for sabotado pela ganância do ser humano, que razão existirá para a permanência da vida humana no planeta?
Revogue-se, pois, a “lei da escassez”, absoluta negação da Lei Universal da Abundância. Coloque-se o homem em harmonia com seu semelhante e com a natureza. Faça ele seu projeto de vida o desenvolvimento de sua consciência em direção ao seu destino inexorável: Deus!