Identidade
O ser (“eu sou”) é um estado, uma experiência de totalidade como qualidade, subjetiva e íntima. Pura percepção sem conteúdo: eu simplesmente sou.Isto é difícil de captar ou apreciar em nosso dia a dia.
Intuitivamente, caímos neste estado quando estamos apaixonados, em devaneio ou em meditação. Toda a percepção sutil fica mais acentuada. Milhões de antenas receptivas, delicadas e invisíveis se estendem até o infinito, altamente sensíveis ao próprio espaço. Trata-se de movimento e qualidade.
No entanto, o ser não está equipado para a existência tridimensional. Para acumular experiência em manejo energético, é preciso uma forma, uma estrutura, que permita a conexão com o ambiente ao redor e a distinção dele. O corpo nos oferece esta forma, e através dele, a personalidade se desenvolve. O corpo e a personalidade são quase a mesma coisa. O corpo manifesta a estrutura visível e a personalidade manifesta o sutil que rodeia o ser.
Da mesma forma que o ser requer uma forma, a consciência precisa de um ponto focal de atenção através do qual maneja a vitalidade ao tecer suas inumeráveis texturas de experiências na matéria. Usualmente, o ser humano está focado nos estímulos físicos e na avaliação, e além de acessar a ferramenta primária de percepção – o corpo e a personalidade, aplica a consciência de forma limitada.
Uma pessoa se aceita como identidade que responde por um nome, com hábitos e vestindo um corpo, como se fosse um banco de memórias composto por reflexos psicofísicos. Temos pouca consciência do “eu” e as faculdades, poderes, atributos que maneja são vistos como fenômenos à parte. Nós nos tornamos o nosso mundo, definidos pelo que fazemos e observamos através dos sentidos. As impressões se convertem em filtros de percepção.
Moldamos, identificamos e manejamos tudo o que nos rodeia por meio dos filtros da personalidade. Projetamos os sentidos, as faculdades, os poderes e as habilidades através deste foco, segundo nossa programação cultural e linguística. Os filtros persistem tanto quanto a referência central permaneça fixa em si mesma, em seu mundo ou na realidade circundante.
A maioria das pessoas vivem desta forma.
O Processo de destilação
Algumas pessoas intuem que a vida é mais ampla e anseiam pela experiência original do ser.
A alquimia interior nos orienta para a conexão com este estado original de plena consciência, incluindo a atenção necessária no dia a dia. Para a retirada cuidadosa dos véus que envolvem a percepção, em vez de mudar a realidade externa, o objetivo é identificar as atitudes e as predisposições pessoais. Uma vez que a vitalidade é liberada de suas formas limitantes, a capacidade de discernimento e o manejo se tornam maiores.
Descobrimos que nossas funções são possíveis em virtude da vitalidade, aprendendo a diferença entre energia e força, e reconhecendo nosso compromisso com a criação e a qualificação. Percebemos camadas de imagens construídas e sobrepostas à realidade maior. Discernimos, então, pela frequência e não pelo significado. Nos mundos internos, não existem etiquetas.
Cuidamos da distinção entre as sensações físicas e as emocionais. Ambas são sentidas no corpo. A sensação física tende a ser mais densa e a emitir pulsações, enquanto a sensibilidade emocional vai e vem em circuitos que se estendem a partir do corpo. As sensações mentais são mais difíceis de perceber porque estão intimamente vinculadas às sensibilidades físicas e emocionais mais pesadas. Aprendemos que a mente funciona com respostas condicionadas, ao mesmo tempo em que ativa e dirige a qualidade da sensação. Sua frequência é mais fina e horizontal, como um laser. Sua característica de formação de imagens catalisa todas as outras sensibilidades.
Existem níveis e tipos de atividades mentais. As faculdades racionais e lineares se relacionam com dados físicos, relações e coisas tangíveis que tem a ver com tempo e espaço. A gama abstrata de atividade intelectual ocorre além do cérebro, como uma realidade separada, envolvendo a atividade sensorial estendida. A inteligência permeia todo o corpo e a percepção extra-sensorial abraça a sensibilidade em um nível extracorpóreo mais sutil.
O eu pessoal, ou seja, a personalidade comum, identifica, maneja e processa faculdades e poderes. Este processo está tão intrinsecamente ligado que é difícil separar os efeitos das causas. No entanto, a inteligência subjetiva, o eu que usa a personalidade, é muito diferente dos mecanismos da personalidade em si. Esta é a primeira lição importante ao se entrar no caminho espiritual. Algumas pessoas não emergem da sua relação simbiótica com o conteúdo e o significado programados.
A experiência fica limitada à flexibilidade do ego. Invariavelmente, o buscador repetidamente usa sua personalidade para trabalhar sobre ela, polarizando-se ainda mais. Ocorrem as condenações, negações, repressões e substituições. Não importa quão indulgente, abstrato e filosófico seja o intento, não existe distância entre o eu e os significados que se percebe. A desarticulação acontece em um longo processo. Uma vez que distinguimos as faculdades como uma dinâmica automática que ocorre separada do sujeito, estamos em posição para retirar os filtros.
Objetivamente, e em outras palavras, a verdadeira “objetividade-subjetiva” ocorre quando transferimos a identidade da personalidade e da vida comum para a consciência, que é um estado de ser interior. “Sabemos” este estado de ser que é capaz de compreender e sentir. No princípio, vive-se como em um nível separado de consciência, desconectado da vida comum. Mas, em algum momento, descobrimos que, para nos expressarmos neste mundo, precisamos e usamos a mesma personalidade que tratamos com tanta atenção para corrigir, reformular e até eliminar. Isto nos dá o primeiro verdadeiro sabor de alegria e liberação.
A personalidade é um conjunto de reflexos construídos sobre a textura da experiência física, emocional e mental. Cada camada tem seu vocabulário e repertório. É assim que o ego-eu constrói seu lugar de poder no mundo. Enquanto estamos vivos, este complexo estrutural é nosso único meio para interpretar e construir a experiência. O espírito busca constantemente se expressar através dele. Basta uma mudança em nossa atenção.
Tensão e atenção
No princípio, o contato com o foco mais internalizado da consciência como eu é incorpóreo e idealizado. Os estudantes tendem a colocá-lo fora do corpo, flutuando no espaço ou no centro do peito. Sentimos como alguma coisa íntima, vulnerável e longe das emoções pessoais. O contraste entre estar em meio das atividades normais mente-corpo e estar na profundidade interior é enorme.
A vida comum está repleta de tensões, e portanto, os estudantes caem, uma vez ou outra, na mecânica da personalidade. Estabelece-se uma luta com o “tempo” e o “fazer”. Fazemos esforço até para alcançar este belo espaço em nosso interior. Com frequência, criamos mais tensão e mais separação. A pressão do tempo pesa sobre nós e o tempo se traduz na execução, o que propicia um regresso ao automatismo da personalidade, perdendo contato com o eu mais íntimo. É assim que criamos tempo para ter tempo para meditar. Mas, nos encontramos diante da impotência de ter pouco tempo ou nenhum tempo para desfrutar o ser. Eventualmente, ocorre um clique internamente. Descobrimos que não precisamos fazer nada e que já estamos lá. Somos ISTO.
A alquimia anterior começa quando o estudante é capaz de sustentar sua atenção nas duas “realidades” e opera dentro delas através dos instrumentos da personalidade consciente.
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Finalmente, o esforço pela consciência dá resultado e ocorre o relaxamento. O foco ou ponto-fonte de referência passa por uma tela de fundo tranquilo. A integração entre o espírito e a realidade física se torna uma possibilidade. O espírito agora pode se servir da personalidade e dos talentos como forças e também pode prever as limitações. A personalidade se torna uma ferramenta. Então, podemos limpar as janelas da percepção e usar o instrumento sem as inferências acumuladas e automáticas do ego.
Esta é a percepção que coerentemente podemos alcançar em diferentes níveis de realidade. A qualidade do eu pessoal determina o tipo de mundo que criamos, as crenças que sustentamos, as construções que edificamos, a forma como somos percebidos e como percebemos. Quando vinculada ao egoísmo, a percepção e suas possibilidades envolvem somente o eu e nosso mundo. Quando emergem do centro do ser, são ilimitadas e poderosas.
O manejo correto da personalidade possibilita uma vida bem-sucedida em ambos os mundos.
Tradução: Claudia Avanzi