“Em um trecho do belo texto da peça “A Golondrina”, do autor barcelonense Guillem Clua, baseada no atentado homofóbico que ocorreu na boate Pulse, em Orlando, em 2016, a personagem Amélia, senhora idosa, pergunta ao jovem Ramón: “O que nos faz humanos, Ramón? De todas as coisas que somos e fazemos, o que você acha que realmente define nossa humanidade?”.
E Ramón responde com uma pergunta: “Não sei… O amor?”.
Amélia discorda: “Isso não é suficiente, eles também amam”.
(“eles” são os terroristas do atentado).
Ramón não sabe a resposta, então Amélia afirma, segura:
“A resposta é a dor. O que realmente nos faz humanos é conseguir sentir a dor dos outros”.
Engatando outra história na locomotiva que é nosso cérebro, refleti mais:
Certo, o que nos torna humanos é conseguir sentir a dor dos outros. Mas apenas sentir? Ainda é pouco.
Amélia que era mulher de verdade e eu sou só uma mulher procurando ser melhor para deixar o meu, o nosso Criador, orgulhoso, senão do resultado final, pelo menos do meu sincero esforço.
Eu sinto, tu sentes, ele sente, nós sentimos, vós sentis, eles sentem.
No presente do indicativo, nós sentimos.
Do tempo presente para o passado, é uma flexão, caso a ação não aconteça na sequência do sentimento.
Eu senti, tu sentiste, ele sentiu, nós sentimos… E? O que fizemos?
Os tempos verbais indicam o momento em que uma ação acontece. Pode ser no presente, no passado ou no futuro.
Sem ação, fica apenas a intenção sem um futuro.
Intenção sem ação é passado, apenas boa vontade, não é o empenho ou a determinação de solucionar, diminuir ou ao menos entender o sofrimento, com a firme vontade de auxiliar o outro.
Naturalmente, nem sempre existe uma solução. Muitas vezes, ela está distante no nosso campo de atuação.
O amigo ou até mesmo o desconhecido reporta um problema pelo qual está perdendo dias e dias de sono e a resposta de consolo, de empatia e de sentimento, veja bem, sentimento real (não estou aqui dizendo que não é verdadeiro) sai fácil e pronta, vinda lá do fundo do pulmão, meio cuspida assim: “Sei que você vai conseguir”.
Você é forte. Eu acredito em você. Você sempre consegue. Tudo vai ficar bem. Vou orar com amor por você.
Gente, o amor tem feito coisas e lembrando a música “Iluminados”, de Ivan Lins e Vitor Martins: “Que até mesmo Deus duvida, já curou desenganados, já fechou tanta ferida”.
Mas e se a penicilina não tivesse sido descoberta? Se Alexander Fleming amorosamente só ficasse compadecido do sofrimento dos soldados que sentiam dor e morriam porque as feridas não cicatrizavam?
A história nos fala que, de tanto trabalhar arduamente em suas pesquisas, resolveu se dar merecidas férias em Dubai. Mentira. Não sei onde foi.
O que aconteceu é que Alex saiu vazado gritando: “Uhúúú #partiuférias” e não fez um checklist.
Um dos vidros ficou destampado e a Srta. Bactéria Staphylococcus aureus, toda assanhadinha, deixou o Sr. Mofo entrar no vidro.
Alex voltou de viagem e ficou de cara quando viu que aquele encontro Bactéria & Mofo, já que o estrago feito poderia gerar um novo ser.
E dessa casual história de amor, tempos depois, nasceu a menina Penicilina.
Não gosto de pesar meus dedos no teclado. Aprecio a escrita leve, mas o assunto surgiu porque, coincidentemente, nesse exato momento, às 11h de uma sexta-feira, um homem de 70 anos, alemão, que não conheço, terá a perna amputada por causa de complicações anteriores e após ser picado por uma aranha.
A pessoa em questão é professor de alemão de um amigo meu e não tem parentes no Brasil.
Esse amigo postou a notícia ontem no nosso grupo do WhatsApp. Somos 19 voluntários em uma Casa Beneficente.
Um pedido de ajuda, no sentido de localizarmos algum outro médico para uma segunda opinião.
Nesse grupo temos duas amigas médicas. Todos se manifestaram. As ações aumentaram. Fizemos ligações, trocamos nomes e contatos com outras pessoas. Unimos forças em uma corrida contra o tempo, porém as complicações eram severas.
Como mencionei lá no começo, nem sempre conseguiremos ajudar.
A certeza da ação e a sensação de que fizemos tudo o que podíamos… Acredito que é isso que nos torna super-humanos.
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Por mais que uma tarefa pareça impossível, a capacidade multiplicadora de pequenas ações eleva o nosso potencial e, assim, nos sentimos parte da divindade.
E é nesse momento que os milagres podem se materializar.
A melhor resposta é sempre a seguinte pergunta: “O que eu posso fazer por você?”. Ou talvez nem precise perguntar.
Faça como se fosse para si mesmo.
Acho que ALGUÉM já disse isso.
Abraços acessíveis!