Eu tenho a autoestima super baixa. É verdade. E digo-o ciente de não ser a internet um lugar propício à manifestação de vulnerabilidade e tampouco à verdade. Ademais, em um contexto no qual impera a exposição de vidas perfeitas, viagens a destinos inimagináveis, festas, mensagens super espiritualizadas ou politizadas, a exposição de uma vida sem filtro pode soar quase como um sacrilégio. Portanto, digo-o por minha conta e risco: eu tenho a autoestima super baixa, sim.
Recentemente, ao visualizar as fotos tiradas por uma querida amiga em meio ao arborizado campus que tenho como local de trabalho, pensei em descartar todas diante do estrabismo evidente (sou portador de visão subnormal, hipermetropia, com estrabismo e nistagmo). Afinal, do que adianta uma paisagem bonita uma boina estilosa e uma camisa legal com um olho torto para estragar tudo? Ou o descarte ou o photoshop. E, considerando que eu pouco ou nada entendo de edição de fotos, não tive dúvidas, a princípio, quanto a optar pela primeira alternativa.
E foi quando a referida amiga disse algo que, de tão simples e de tão clichê, me soou belíssimo, me levando a profundas reflexões: “As fotos ficaram muito bonitas. Quem tem que te achar lindo é você mesmo”.
Diante de tal afirmação, lembrei, involuntariamente, da jovem californiana Marimar Quiroa, a quem sigo há algum tempo no Instagram e que, devido a uma rara condição de saúde, apresenta um rosto peculiar. E eis que a moça faz sucesso no YouTube com o seu canal voltado para nada menos que – adivinhe – a maquiagem! Lembrei ainda da indiscutível sensualidade da jornalista Leandra Migotto Certeza – portadora da condição conhecida como “ossos de vidro” e linda em seus 96 cm de altura – em uma foto que vi algum tempo após ter o prazer de conhecê-la pessoalmente.
Lembrei da apresentação super sensual da portadora de nanismo Priscila Menucci – intérprete da Dona Nica no humorístico “A Praça é Nossa” – no programa do Danilo Gentili. Lembrei que, após fazer sucesso com a super bem resolvida personagem Biga, de “A Força do Querer”, a atriz Mariana Xavier, com toda a sua fofice, brilhou em propagandas de roupas íntimas. E lembrei, claro, da inspiradora história do espirituoso Nick Vujicic, nascido sem os braços e sem as pernas em razão da síndrome Tetra-amelia.
E, enquanto isso… enquanto tanta gente considerada ainda mais fora do padrão; enquanto tanta gente emana firmeza e amor-próprio mesmo que trazendo no corpo marcas mais evidentes e notórias do que a sociedade concebe como “diferente”, me vi aqui… resistente às fotos devido a um olho que parece ter um caso de amor com o meu nariz.
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Uma rápida visita ao álbum de fotos de perfil do Facebook foi o suficiente para que eu me certificasse do meu problema com isso: fotos com o rosto leve ou totalmente virado e até mesmo uma com apenas metade do rosto, considerada super estilosa nos tempos do Orkut. Ninguém imaginava que eu fora apenas estratégico diante da foto 3×4 na qual o meu olho direito ficara totalmente voltado para cima. Não deu outra: cortei a foto e banquei o minimalista.
Mas falando a sério agora… Você percebe a complexidade da coisa? Percebe a importância da autoestima e o caráter tóxico dos padrões? Percebe que se uma pessoa tem vergonha da própria aparência em razão de um nistagmo e de um estrabismo, ao passo que outra esbanja confiança em seus badalados perfis e tutoriais de maquiagem a despeito de uma má-formação que lhe prejudica a fala e a respiração, há aí um claro sinal de que a nossa condição importa menos que a nossa forma de lidar com ela? Percebe que o amor-próprio deve preceder a nossa busca por respeito, amor, reconhecimento e até mesmo as nossas lutas políticas?
É inevitável lembrar quando, em uma sessão recente, o meu terapeuta solicitou que eu relatasse como eu me imaginava tendo amor-próprio e, após a minha longa lista, ele disse: “Bom, estou percebendo que o seu amor-próprio está condicionado a deixar de ser tudo o que você é…”. E, sereno, arrematou, mais à diante, me dando um sermão sobre o quão mais importante e verdadeiro é o amor que surge nas condições de então, sem que tudo ao redor precise mudar para que ele desperte.
O negócio é esse, querido(a) leitor(a): o real amor-próprio tem mais a ver com sermos e nos colocarmos como somos do que com sair pelas ruas discursando acerca de empoderamento (o que também é formidável…). Se a gente não vai se tornar um intocável modelo das fotos superproduzidas (e editadas) do Instagram, resta-nos apenas duas alternativas: ou a gente se dedica a criticar os baladeiros da vida perfeita como forma de disfarçar a nossa profunda inveja, ou a gente mostra o dedo médio pros padrões e pros filtros e, sem medo, posta no Insta aquela nosso foto com aquela barriguinha protuberante lá em Guarapari, que foi pra onde a nossa grana curta pode nos levar.
Melhor que isso, só mesmo não mostrar nada. Não com o objetivo de esconder-se, o que estaria na contramão do autoamor, mas com a serenidade de quem se gosta tanto, mas tanto, que não demanda reconhecimento, aprovação ou elogios de seguidores que, em sua maioria, não são companheiros da vida real. Pense nisso…
E quanto à foto? Bom, acabei me decidindo por postá-la nas minhas redes. E escolhi aquela na qual eu apareço com o olho mais torto… lindo, como disse a minha amiga. Digno de ser amado, mas, antes, pronto para me amar, exatamente como sou.