Uma medida de água na leiteira. Uma colher de açúcar. Leve ao fogo. Mexa por alguns segundos até todo o açúcar se dissolver. Verta todo o líquido no bebedouro para beija-flor (e outros pássaros). Pendure próximo a plantas e árvores. Agora veja formigas ávidas pelo açúcar perderem suas vidas afogadas entrando pelo orifício e não conseguindo sair.
Já ouvi dizer que se o ser humano conseguisse enxergar os ensinamentos da e na natureza, não precisaria de livro algum para aprender, bastaria olhar com uma atenção mais espaçosa e sutil. Desde que a formiga é formiga, ela busca o doce de alimentos (sacarose) para produzir seu alimento (fungos). O que chama a atenção é ver a quantidade que acaba morrendo por querer intensamente esta substância.
A manifestação funciona por dualidade (Yin & Yang) e suas infinitas variáveis entre um extremo e outro: as marés cheias e vazias, o dia e a noite, o claro e o escuro, o alto e o baixo, etc. A mente humana também segue esse funcionamento: avidez e aversão, querer e não querer, gostar e não gostar, apegar e desapegar, etc. Buda dizia que a natureza do sofrimento humano é estar apegado aos prazeres do corpo e da mente, e principalmente a quem ela pensa ser. Mais difícil que perder um objeto é perder a imagem de quem tinha aquele objeto; mais difícil que ser despedido é não ser mais o fulano ou a fulana-de-tal; mais difícil que fazer uma doação é ninguém saber quem doou. (Espero ter conseguido captar a dinâmica da coisa).
O ponto aqui é enxergar até onde estamos sendo escravos dos desejos da mente. Até onde estamos conscientes da linha tênue entre o sofrimento e o desfrute. Escrituras dizem para matar a mente, matar os desejos. Mas cabe a pergunta: é possível o sol não mais queimar? É possível a água não mais molhar? É possível o vento não mais soprar? Cada criação com sua natureza, e assim é a da mente: querer e não querer – Você (V maiúsculo de propósito) sendo consciência observadora não tem nada que ver com o que a mente e o corpo desejam.
Existe um espaço a ser criado entre Você e os quereres da mente, e o caminho de autoconhecimento não passa disso: um afastamento de quem você pensa ser para quem (ou o quê?) realmente Você é. Esse afastamento é representado em textos esotéricos como o domínio do espírito sobre a matéria, ou o domínio do eu inferior pelo eu superior. Os desejos existem e não há nada de errado com isso. Repetindo: os desejos existem e não há nada de errado com isso. Que não se crie mais uma negação ao que é natural, caso contrário será mais uma crença que limitará o desabrochar da consciência. Osho diz que “O desejo é a semente e a vida é a sua colheita”. Um quadro profundo de depressão é o esgotamento de desejos. É isso que você busca? Os desejos semeiam e movem o ser humano, a vida deveria ser repleta de prazer e deleite ao colher e saborear estes frutos plantados.
Em certos lugares, para caçar macacos, os caçadores colocam uma castanha dentro de um pote pesado. Sendo o pescoço desse pote mais fino que seu fundo, o macaco não consegue puxar de volta sua mão caso não solte a castanha. Por não soltar, fica preso, e eis que o caçador pega o macaco. Pergunta: o que fez o macaco ser pego pelo caçador? O pote? A castanha? Não. Foi seu desejo pela castanha que o fez ser pego. Bastava que ele desapegasse do desejo pela castanha para abrir a mão, retirar o braço e fugir do caçador. Não que o desejo em comer castanhas deixasse de existir, mas ao menos o macaco se livraria da armadilha e estaria livre para buscar castanhas em outro lugar. O que fez com que as formigas perdessem suas vidas? Foi o açúcar? Se elas abrissem mão do intenso querer pelo açúcar, poderiam ficar ali no orifício por onde o beija-flor bebe água, já seria mais do que suficiente.
A questão é interna, e sempre será. O mundo de Maya (ilusão) existe para que o ser humano transcenda e se reconheça como consciência usando um corpo e mente, não o contrário. Em todo sofrimento existe a chave para a libertação: basta escaparmos das armadilhas da mente, que nos induzem a culpar o que quer que seja do lado de fora, no mundo, nas pessoas. Esse é um ponto extremamente relevante a se considerar e tomar consciência: cada vez que a mente coloca a responsabilidade fora de si mesma, ela se exime da mudança, se mantendo na famosa zona de conforto.
Faça um voto para si mesmo:
“Toda e qualquer reação que brotar do meu ser, independente do que a mente rotule como boa ou ruim, será de total e exclusiva responsabilidade minha, não tendo qualquer relação direta com o que acontece do lado de fora.”
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À medida que você começa a viver cada vez mais por esse voto, os desejos de avidez e aversão se tornarão seus amigos e você caminhará de mãos dadas pela vida apenas desfrutando dos momento:, dos frutos doces e amargos, das flores perfumadas e venenosas, belas e espinhentas, não importando, a priori, a qualidade das experiências – estando em um lugar onde tudo é visto por quem Você realmente é.