Desde seu nascimento no planeta, o ser humano é impelido a agir buscando metas, resultados, objetivos e premiações. Podemos constatar isso pelos jogos escolares: desde tenra idade, os alunos já são treinados a competir para ganhar. Ninguém nem ao menos explica que o que importa é o “caminho” e o aprendizado adquirido… e que “vencer” é superar seus próprios adversários interiores, e não o outro time.
Essa programação irá repercutir em uma busca desenfreada por notas altas nos estudos. Mais tarde, em reconhecimento no trabalho. E em vários outros temas da vida.
Também o esporte, no geral, está baseado apenas em vencer – em primeiro lugar! Raríssimos são os casos em que a trajetória do esportista é reconhecida como uma via de autoconhecimento. O autoconhecimento não é o foco do capital, não leva ao prestígio social.
A identificação que temos com “quem busca” é gigantesca. Estou falando daquele que é insaciável; que sempre quer algo do futuro; que nunca está satisfeito com o presente; que remói o passado; que vive desejando; que quer tudo para si e não enxerga o todo; que se identifica como algo separado do outro e do mundo. Sim, é o Ego, a mente concreta denominada Kama Manas nas tradições esotéricas.
Nós acreditamos que somos o Ego, e isso faz muito sentido. Como seria possível negar esse “eu” que pensamos ser? Afinal, é possível dizer que o “contorno” da nossa experiência está delimitado pelo nosso corpo, representado principalmente por nossos órgãos dos sentidos, e pela nossa mente, foco das nossas emoções. A nossa experiência sensorial (visão, olfato, paladar, audição e tato) não deixa dúvidas de que existe um corpo e uma mente, e que estamos conectados a eles de alguma forma.
E, no entanto, essa identificação com o Ego advém de questões cármicas e inconscientes. Segundo Siddharta Gautama, o Buda, a mente/corpo se apega aos sentidos, que são fonte de tanto prazer e, concomitantemente, de tanto sofrimento.
Para complicar a nossa situação, a mente não se satisfaz olhando “para dentro” de si, ela nem possui essa capacidade. Sua principal característica é “sempre buscar algo que está fora para se completar”. Desse comportamento, advém uma das maiores ignorâncias que praticamos, que é depositar nosso bem-estar e nossa felicidade em coisas externas: em alguém, em uma condição meteorológica, em vencer uma competição, em tirar a melhor nota, em uma substância, em um encontro, em um emprego, etc. Agindo assim, estamos fatalmente caindo em profundo sofrimento, pois nada do que é externo pode trazer uma satisfação plena – que já existe dentro, é o que já somos.
Então, como sair dessa armadilha?
Muitas tradições orientais apontam para a necessidade da prática da meditação como uma forma de reconhecer que aquele que pensa não é quem nós pensamos ser.
O silêncio, que é a base da meditação, é um silenciar da mente tagarela, que está sempre pronta para arranjar algo em que se meter. O caminho de autoconhecimento é o movimento de tomar consciência dessas questões para se libertar.
A sacada não é negar o mundo externo, uma outra armadilha, mas sim reconhecer que o que sustenta todas as coisas (inclusive você) é a chave do equilíbrio. Daí, então, usufruir deste mundo sensorial como um recurso, uma ponte para a libertação – que deve, sim, ser transposta com prazer, mas de forma que supra as necessidades básicas do corpo e que não gere mais apegos.
A satisfação de cada ação desabrochará naturalmente no agir do cotidiano, aprendendo passo a passo a viver na Reta Ação apontada pelo Buda. A Reta Ação consiste em executar cada ação de forma desprendida do resultado que ela possa trazer. É um fazer sem olhar a quem, é estar profundamente entregue e dedicado a cada ato como se cada um deles, do mais simples ao mais complexo, fosse dedicado a uma divindade. Fazer e esquecer que foi feito, não se apegar ao “eu”, que quer os créditos pela obra realizada, essa é a chave da Reta Ação, e então da libertação do sofrimento pela renúncia dos resultados.
Você está no limiar entre o infinito “pra dentro” e o infinito “pra fora”. Você nunca se moveu, nunca sequer saiu do lugar e existe um exercício para você descobrir isso: feche os olhos…
observe a respiração…
silencie…
respire profundamente algumas vezes…
Faça a seguinte pergunta a si: Onde e quando estou?
A única resposta plausível é “aqui e agora”.
Onde quer que você esteja (no interior da sua cidade, nos Himalaias ou na Lua), o que quer que você esteja sentindo (raiva, angústia, desamparo, felicidade, bem-estar, entusiasmo), sempre a resposta para esta pergunta de olhos fechados será a mesma: “aqui e agora”.
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Inferno existe?
Um certo dia, o chefe dos samurais do imperador foi visitar o mestre zen com uma dúvida que pairava em sua mente. Sentou-se à sua frente e perguntou:
– Mestre, é verdade que existe o inferno?
Eis que o mestre zen o indaga:
– Ooora, mas quem é você para me fazer essa pergunta?
– Como assim? Eu sou o chefe dos samurais do imperador!
– Ué… com esse traje você está mais parecendo um mendigo!
Então o samurai se enche de ira, levanta rapidamente, saca sua espada e quando se prepara para dar um golpe mortal, o mestre zen diz:
– Neste momento se abrem as portas do inferno!
O samurai sentiu aquilo, refletiu um pouco… resolveu guardar sua espada e se sentar.
Eis que o mestre zen diz:
– E neste momento se abrem as portas do céu!