De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, veiculado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2016 a 2018, 3,2 mil mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil. Como se esse número já não fosse alarmante, o Conselho Nacional de Justiça revela que, nesse mesmo período, mais de 3 mil casos de feminicídio não foram contabilizados.
Talvez você já tenha ouvido falar sobre a expressão “feminicídio”, principalmente nos jornais. No entanto, nem todas as pessoas têm acesso ao significado desse termo. Você sabe o que é feminicídio? Entenda melhor sobre esse assunto, compreenda o que o causa e saiba quais são as formas de combatê-lo.
O que é feminicídio?
O primeiro ponto a ser considerado sobre feminicídio é que ele não é a mesma coisa que feminismo. O feminismo é um movimento social que tem como um dos objetivos combater o feminicídio, que se manifesta em uma sociedade machista e patriarcal.
Feminicídio é o que caracteriza o homicídio de mulheres que foram mortas exclusivamente por serem mulheres. Isso significa que, se uma mulher foi assassinada por qualquer outro motivo, não se trata de um feminicídio.
Para entender melhor, observe os exemplos de feminicídio: violência doméstica ou familiar (quando as mulheres são agredidas verbal, física ou psicologicamente por alguém com quem elas têm laços afetivos) e menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher (ódio contra mulheres e objetificação do corpo feminino são casos de discriminação).
Por outro lado, se uma mulher for vítima de um latrocínio, roubo seguido de morte, esse homicídio não será contabilizado como feminicídio. É importante compreender a diferença entre essas duas denominações, porque a partir dela é possível analisar a relação entre machismo e feminicídio, bem como as causas desse tipo de homicídio.
Perante a legislação brasileira, o feminicídio passou a ser considerado uma modalidade de crime qualificado, alterando o código penal. Confira o que a Lei do Feminicídio, Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, define como crime e quais são as penas previstas para quem o pratica:
Será considerado um crime hediondo e um crime qualificado se for praticado:
“VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino;
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2º Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Aumento de pena
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.”
Causas do feminicídio
Reconhecendo que machismo e feminicídio estão intimamente relacionados, é preciso entender quais são as causas para esses dois problemas. O machismo é uma das bases da sociedade, assim como o racismo.
Esse sistema de opressão é caracterizado pela desigualdade entre homens e mulheres, e todas as suas manifestações apresentam esse plano de fundo. Algumas delas são: agressão física ou verbal contra mulheres, objetificação do corpo feminino (leva a casos de assédio e de estupro), desvalorização de trabalhos feitos por mulheres, comentários depreciativos sobre o corpo feminino e imposição de padrões estéticos e de comportamento.
Como foi possível observar, o machismo se manifesta de múltiplas formas. No entanto, ele culmina no feminicídio. Não há agressão maior do que tirar a vida de uma mulher. Isso acontece quando um homem, incapaz de reconhecer que uma mulher é um ser humano, começa a se incomodar com a existência da parceira, de uma amiga, de uma mulher da família ou até mesmo de uma desconhecida.
Machismo e feminicídio estão interligados porque é a partir do machismo que o homem se sente no direito de agredir uma mulher com ou sem justificativa. Ciúmes, desobediência e cerceamento da liberdade da mulher, em geral, são questões que podem causar o feminicídio. Apesar disso, até mesmo um homem que nunca se mostrou agressivo pode utilizar o poder que a sociedade lhe atribui para interromper a vida de uma mulher.
Constata-se, dessa forma, que a única causa do feminicídio é o machismo. Não é possível justificar o feminicídio alegando que a mulher fez algo para desagradar o homem, por exemplo, porque em muitos casos ela só está sendo ela mesma. O que dá liberdade para um homem assassinar uma mulher é a certeza de que ele tem poder sobre ela, e de que ela deve agir de acordo com o que ele imagina que seja o mais adequado.
É essencial que todas as mulheres compreendam que elas não são culpadas por comportamentos abusivos ou agressivos. O machismo é um problema da sociedade, e não das mulheres. A seguir, entenda mais sobre uma das formas de violência que pode culminar em casos de feminicídio e saiba como se proteger.
Violência doméstica e Lei Maria da Penha
Em 2018 o Ministério da Saúde constatou que houve cerca de 145 mil casos de violência doméstica no Brasil. Nessas ocorrências, as vítimas sobreviveram e, então, não se enquadram em feminicídio. Porém, essa violência pode resultar em morte. Em 2015 o Ministério da Justiça identificou que as mulheres pretas correspondem a 68% das vítimas fatais da violência doméstica, caracterizando feminicídio.
A violência doméstica pode ser praticada pelo parceiro de uma mulher, mas também pelos familiares dela. Há cinco tipos de violência doméstica: física, verbal, psicológica, patrimonial e moral. Eles englobam todas as formas de menosprezo, ódio, desvalorização e agressão que uma mulher pode sofrer dentro da própria casa, por pessoas que, em tese, deveriam protegê-la e amá-la.
Entre todos os tipos de violência doméstica, não é possível definir aquele que trará mais prejuízo para a vítima, visto que a experiência de cada mulher é única. No entanto, é a violência doméstica caracterizada como agressão física que pode culminar em feminicídio. Uma mulher pode sofrer mais de um tipo de violência, e por isso é importante se atentar para alguns comportamentos violentos que podem partir do parceiro ou dos familiares.
Se os seus familiares insultam, agridem ou acusam você de ter comportamentos que ferem a sua honra, limitam o seu acesso aos seus bens e/ou fazem você duvidar da sua sanidade mental, é possível que a violência doméstica seja a sua realidade. Ou talvez você esteja percebendo que uma pessoa próxima a você tenha começado a agir de forma mais reservada, apresenta hematomas pelo corpo ou parece estar triste. Essa pessoa pode estar sofrendo desse mal, e é preciso buscar ajuda.
Perante a legislação brasileira, o crime de violência doméstica, em qualquer uma de suas formas, é punido pela Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006). Isso significa que o agressor terá que responder judicialmente pelas ações praticadas contra a mulher, caso seja denunciado. É a partir dessa lei que a violência doméstica se torna uma realidade a ser combatida, visto que décadas atrás as agressões contra esposas e familiares eram naturalizadas e não eram entendidas como problemas.
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Embora exista um meio judicial de punir os agressores, denunciá-los é um desafio, principalmente porque são pessoas próximas a você ou porque você depende de alguma delas para manter a estabilidade financeira, por exemplo. Nesse caso, você pode pedir para outra pessoa fazer uma denúncia, da mesma forma que você pode realizar a denúncia por alguém, de forma anônima. Os meios de fazer isso são: ligar para 180 (denúncia anônima e gratuita), ligar para 100 (possibilita o atendimento para situações nas quais a violência está ocorrendo, favorecendo o flagrante), ligar para 190 (uma viatura policial irá até a casa da vítima para tomar as medidas cabíveis) ou procurar uma Delegacia da Mulher, especializada em atender esse tipo de caso.
É importante buscar formas de denunciar os agressores para que a violência doméstica não culmine em feminicídio. Tenha a consciência de que machismo e feminicídio caminham juntos, e que a melhor forma de combatê-los é pedindo ajuda. Encontre uma pessoa de confiança e explique o que está acontecendo. A culpa não é sua e você deve viver sem sofrer qualquer tipo de agressão.