Ano passado lancei o livro “A Namorada do Dom”, uma biografia na qual conto um pouco sobre as lições que aprendi com os meus relacionamentos e como, de lição em lição, vim parar na Suíça.
Muitas pessoas me perguntam como é escrever um livro. A história dele começou, claro, com o meu nascimento, mas a escrita iniciou há 10 anos, quando eu estudava Antroposofia.
Uma pessoa que fez apenas um trimestre do curso, que tinha tido uma vida bem interessante por ter sido uma modelo famosa, sugeriu que trocássemos algumas histórias sobre a nossa vida depois que ela foi embora para a Austrália.
Durante o curso, resolvi que um dos meus trabalhos de final de ano seria sobre a Terapia Biográfica, em que analisamos acontecimentos de nossa vida com base nos setênios, ou ciclos de sete anos. Para isso, fiz um pouco como uma linha do tempo, na qual coloquei cada acontecimento e o sentimento relacionado a ele de forma bem simples mesmo, em uma ou duas linhas.
Essas foram as duas bases que usei para escrevê-lo. Quando contratei um coach para me ajudar a organizar as ideias e colocar o livro num formato interessante, a minha ideia era só escrever sobre os relacionamentos. E ele me disse: “Você vai ter que falar sobre a sua infância para as pessoas entenderem quem é esta pessoa que aceitou todos esses relacionamentos.” Foi ali que começou o trabalho de cura por meio da escrita.
Confesso que não foi um processo fácil. Vinha fazendo tantas terapias para deixar a infância para trás, e então tinha que mexer nela de novo.
No primeiro rascunho, a leitora, meio sem graça, me disse: “Parece que você ficou com tanto medo de parecer uma vítima que não consegui perceber o que você sentiu em eventos importantes da sua vida, como quando você foi abandonada pelos seus pais.”
Aos poucos fui entendendo também que parte do meu distanciamento com a minha história tinha a ver com o fato de eu ter feito a linha do tempo no computador! Quando se escreve à mão, é como se você se abrisse para receber inspiração. Você trabalha as emoções enquanto está escrevendo, bem como a memória. É uma qualidade anímica muito diferente de quando você escreve numa máquina.
Claro que seria inviável escrever todo o livro à mão, mas a linha do tempo, os principais pontos do livro e os sentimentos foram escritos, uma vez que é importante que o autor se ligue àquela história de uma forma não mental. Quais são as qualidades daquela personagem? O que ela o faz sentir?
Foi interessante ver que, lógico, eu sou o ponto comum entre todos aqueles relacionamentos insatisfatórios. Qual é o meu papel, por exemplo, em cada história, em cada término? O término é uma história de derrota, de superação, de amor-próprio?
Uma coisa muito interessante que aconteceu ao final foi perceber que ainda que o próximo relacionamento não fosse ideal, havia sempre uma melhora. Isso me deu uma confiança incrível na vida.
Outra parte do processo de cura é deixar ir algo que você ainda não entende como perfeito. Você sempre vai achar que tem mais alguma coisa para mudar no livro, mas em um certo ponto é necessário deixar o trabalho nascer. Como diz Julia Cameron no livro “O Caminho do Artista”, a perfeição só existe no mundo das ideias, e as ideias precisam nascer. Se não for por você, elas vão nascer através de outra pessoa.
Publicar o livro de forma independente foi um ato de poder. Dizer para as pessoas que o livro tem um preço e que eu cobro por ele, é um aprendizado e tanto. Mas o trabalho de cura pela escrita não acaba nunca, e eu já não vejo a hora de escrever o próximo.
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Meu presente para você
Se você não é um escritor, mas ainda assim gostaria de se beneficiar da escrita, sugiro que, além da linha do tempo, experimente também a escrita livre indicada por Cameron: de manhã, escreva tudo o que vier à sua mente, sem parar, por três páginas.
Deixo aqui a indicação de mais algumas obras de escritores negras para você se aventurar:
- Tornar-se Negro — Neusa Santos Souza
- Pequeno Manual Antirracista — Djamila Ribeiro
- Quando me Descobri Negra — Bianca Santana
- Sejamos Todos Feministas — Chimamanda Ngozi Adichie