Quando me apresentei na RIONAT com minha mulher para nossa entrevista de admissão, lembro-me de que o então presidente, Sérgio Oliveira, falou-me sobre como os novos integrantes se sentem ao começar a frequentar os encontros naturistas: “Ficam constrangidíssimos ao tirar a roupa pela primeira vez”, disse ele, “depois ficam mais à vontade, mas ao verem câmeras fotográficas por perto tratam logo de se afastar. Algum tempo depois concordam em serem fotografados de costas. Até que assumam sua nudez como algo natural leva um bom tempo”.
Na ocasião eu me dei conta de que comigo jamais aconteceu assim. Acho que já nasci naturista, se isso é possível numa família tão formal quanto foi a minha, pois sempre tirei a roupa muito à vontade em qualquer lugar onde houvesse pessoas que não se importavam com meu corpo nu, fosse dentro de casa ou em praias menos frequentadas. Por isso, talvez, vejo até com certa estranheza as pessoas se sentirem envergonhadas em tal situação. Minha mulher diz que, numa sociedade como a nossa, que faz disso um enorme tabu, o “ET” sou eu, que acha tudo natural, e não eles.
E ela está certa. Ainda está longe o dia em que usaremos as roupas como opção para agasalho somente quando nos aprouver, como em Cap D’Agde, cidade francesa de naturismo, onde todo mundo vai ao supermercado, ao banco ou simplesmente anda pela cidade completamente nu. Tenho várias experiências em que o preconceito ficou bastante evidenciado nos meus contatos com as pessoas. Vou contar algumas delas:
Cena 1: eu e minha mulher estávamos em Ponta da Trindade (litoral fluminense). De tanto acampar lá, já tínhamos vários amigos entre os moradores da região. Numa roda com eles, ao voltarmos (só os dois) de uma das praias onde o naturismo é tolerado, fui inquirido por uma de nossas amigas locais: “Você consegue se sentir à vontade sabendo que todo mundo lá está vendo a sua mulher nua?” Detalhe: todos os frequentadores da praia também estavam nus.
Cena 2: eu saía de um banho na sauna do clube, quando vi dois rapazes conversando sobre a praia do Pinho (reduto naturista em Santa Catarina): “Eu acho que se eu fosse lá”, disse um deles, “eu ficaria me masturbando o tempo inteiro”.
Cena 3: num almoço de aniversário de uma amiga, ao saber que eu e minha mulher frequentávamos praias naturistas, o marido dela saiu com esta: “Ah, pera aí! Um bando de mulher pelada em volta e os caras não fazem nada? Se sou eu que estou lá, eu “traço” todas elas!”
Esses casos servem como exemplos banais da mentalidade que ainda reina neste país com relação à nudez compartilhada: a maioria não consegue dissociá-la de sexo e pornografia. Como, então, esperar que as pessoas consigam perceber a diferença entre nudista e naturista? Para quem não pratica não há qualquer diferença. E para quem pratica só os verdadeiros naturistas é que fazem a distinção. Dito dessa forma, parece até preconceituoso, mas não basta tirar a roupa em grupo para ser naturista. Isso é nudismo. O nudista se sente bem tirando a roupa e o faz sempre que tem chance. E os motivos pelos quais o pratica são os mais diversos: pode ser pela emoção de desafiar o “sistema vestido” ou por desejar livrar-se da opressão social e sentir-se livre, ficando nu num determinado momento, como quem libera um grito preso na garganta, ou pode ainda fazê-lo para ter acesso a outros corpos nus ou expor o seu próprio para dar vazão às suas fantasias sexuais. Em quaisquer dos casos, o estímulo vem de fora para dentro.
O naturista é alguém que se despe, antes de tudo, por dentro. A grande diferença está no que não se vê. Esse é o fator distintivo: ele se despe, antes de tudo, dos preconceitos e do falso moralismo, que são tão comuns nas estruturas sociais tradicionais. Ele se despe de limites sociais e se estrutura sobre valores morais, pois estes, sim, devem ser as verdadeiras condicionantes dos seres humanos.
Os primeiros passam uma falsa ideia de respeito respaldada nos limites físicos impostos pela roupa: esta é que diz o que pode e o que não pode ser visto ou tocado. Partindo daí, as pessoas consideram que podem tudo, desde que estejam vestidas, já que a roupa é a sua limitação. As praias ditas “normais” são palcos de atos grosseiros de lascívia e desrespeito amplamente aceitos – e até estimulados – por muitos. Ninguém se preocupa com o fato de que suas mulheres e filhas seminuas as frequentem. Os sumários biquínis as protegem, pelo menos na sua cabeça. Os libertinos disso se aproveitam para extrapolar todos os seus limites: deixam esse papel para suas roupas.
Num meio naturista, porém, esse limite físico não existe. Não existe nenhum pedaço de tecido, por mínimo que seja, impedindo o acesso visual ou tátil aos corpos que lá estão. O limite não está perceptível aos olhos: está no caráter das pessoas, e na sua concepção de respeito ao ser pelo ser – e não porque a sociedade lhe está impondo. É a sua visão voltada para a beleza natural de um corpo humano, e não para a sua exploração desprovida de valoração, que o faz diferente das demais pessoas.
O ato de tirar a roupa, para o naturista, é a última etapa de um processo que começou muito antes, dentro de si mesmo, e que mudou a sua forma de ver o mundo. Antes da roupa, ele já se despiu dos falsos pudores, dos tabus do sexo visual, dos conceitos deturpados sobre o corpo. Muito antes da roupa, ele já se despiu da vergonha do seu próprio corpo, pois que vê a beleza – independentemente da estética – como exemplo de amor do Criador pela sua criação. Ele já se despiu da malícia na magia da percepção de um outro ser, dos medos de amar sua própria liberdade. Ele já se desvencilhou dos limites impostos, trocando-os pelos limites de sua própria consciência a serviço do verdadeiro ser.
Para o naturista, tirar ou não a roupa não passa de um mero detalhe. A verdadeira batalha ele já venceu dentro de si. A nudez é uma mera expressão externa desse ato de coragem para consigo próprio. O naturismo, para ele, tem que ser escrito com letra maiúscula, pois é muito mais do que ficar nu entre pessoas: é uma filosofia de vida, que não tem início quando ele descobre seu corpo pela primeira vez, mas quando ele descobre a sua mente para um mundo idealizado, perfeito, no qual as pessoas não precisam de limites impostos para se respeitarem entre si. Onde as pessoas não são regidas, mas se regem por princípios naturais de honestidade, que não as classificam em dois grupos: o das que usam e o das que se deixam usar.
Utopia? Ainda é! Mas por causa de idealistas como os naturistas de hoje, a exemplo de Copérnicos, Galileus e Joanas D’Arc, o mundo vai passando por surpreendentes mudanças, e um dia, quando menos esperamos, estamos frente a frente com as grandes verdades universais.
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O naturista nos dias de hoje ainda é um pioneiro. A tradição americana faz uma distinção fundamental entre o pioneiro e o colono. Dizem eles que, nos velhos tempos de desbravamento do oeste dos Estados Unidos, todas as vezes que um colono chegava com toda a sua família a um longínquo e árido recanto, sobre as rodas de uma empoeirada carroça, ele olhava em volta e, ao perceber o movimento de alguém à distância, juntava as mãos em concha e gritava: “Oláááá! Este lugar é seguro para se instalar?” E o outro, à distância, gritava em resposta: “Sim, pode ficar!” O primeiro que grita, afirmam eles, é o colono, que chega para iniciar o aproveitamento da terra. O segundo, o que responde, é o pioneiro, que chegou na frente sozinho e, com a sua coragem, enfrentou o desafio do desconhecido para proporcionar segurança aos futuros colonos.
O naturista, para a sociedade que ainda precisa de regras para exercer o respeito, é esse pioneiro para uma futura geração de cidadãos mais saudáveis, num mundo onde o respeito mútuo está diretamente ligado aos valores que as pessoas desenvolvem, e não aos limites artificiais impostos de fora para dentro.