Quando minha família veio me visitar, viemos para Portugal. Estávamos andando pelas falésias. Em um certo ponto, vi meu marido andando muito na beirinha. Como eu tenho muito medo de altura, avisei: “Cuidado, vai mais para o outro lado!” E a minha sobrinha de 9 anos, que estava de mãos dadas comigo, e até então se divertindo, franziu a testa e gritou para o pai dela, que também ia mais à frente: “Pai, cuidado!”
E, naquele momento, percebi: eu tinha passado meu medo para ela. Bastou uma vez: os demais dias em que ela ficou aqui, estava sempre preocupada se estávamos nos arriscando.
Naquele dia, aprendi várias lições: a) às vezes mesmo com conhecimento, a gente acaba passando nossos condicionamentos para as crianças sem perceber; b) o quanto nosso exemplo vale tão mais do que palavras e c) o quanto deve ser difícil estar alerta para isso todos os dias como mãe, pai, professores.
Para a Antroposofia, a infância, especialmente dos 0 aos 7 anos, é a fase de maior importância na formação do ser humano: se essa criança vai ter confiança em si mesma (se teve um ambiente em que pudesse se expressar); no mundo (se, por exemplo, aprendeu com os ritmos da natureza que a cada ano a árvore vai dar fruto); se aprendeu pelo amor (figura de autoridade que a ensinou a ver que o mundo é bom) etc.
Além disso, dos 0 aos 3 anos falamos sobre as conquistas da criança: andar, falar, o Eu. Podemos relacionar essas conquistas do primeiro setênio com uma frase muito conhecida de Cristo: Eu sou o caminho (o andar), a verdade (o falar) e a vida (o Eu).
Na psicanálise, Laplanche e Pontalis apontam como se inicia a neurose durante essa fase também, definindo-a como uma doença em que “os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do sujeito, e constitui compromissos entre o desejo e a defesa”. É na infância também que estão os conflitos de ordem sexual.
No segundo setênio, quando se desenvolvem os órgãos do sentir, que são também órgãos de troca com o mundo (coração, pulmão), além da questão de desenvolver confiança por meio dos ritmos da natureza, é quando a criança abre a janela para o mundo (a queda dos dentes), e começa a perceber que ele não é tão perfeito quanto parecia no primeiro setênio: ela vê injustiças, tem medo da morte, da perda.
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O nosso papel como figura na vida da criança é ajudá-la a sentir que tanto sua casa quanto seu corpo são lugares bons para se morar; ajudá-la a desenvolver a devoção, a ver beleza no mundo e, assim, contribuir para que no futuro haja adultos que possam mais ajudar do que ser ajudados.