Daqui a pouco estarei rindo de mim mesma. Olhando meus cacos espalhados pelo chão com graça, com amor. Fitarei minhas partes com o carinho e a graça necessários para dar significado às sensações, mas sem negar o trajeto que fiz até poder dar risada agora. Ver com humor minhas rachaduras e desacertos.
Com olhos de quem descobre o amanhecer a cada nova chegada, estenderei alguns vazios pela casa, perfumando a rotina com óleos essenciais de maturidade e inocência. Orando aos orixás, firmarei compromisso com o silêncio, sem dispensar a chegada de cada aprendizado novo. De cada olhar fortuito e eterno em paralelo aos banhos demorados de cachoeira.
As águas que escorrem em meu corpo traçam o mapa das minhas curvas em completa consonância com o enredo de minha história. Desviam em algumas marcas que foram fazendo morada em mim ao longo do tempo, com o sentir de cada história. Elas contam os detalhes bonitos das vivências de outrora, como quem fica para não me deixar esquecer dos endereços que me importam. Lembram-me que meu corpo é um templo sagrado e único de circunstâncias eternas e irreproduzíveis.
Certas vezes, lembro-me de quando era criança e fingia não saber muito. Evitava responder certas perguntas com medo de ser identificada como sabichona demais. Em segredo, eu desabotoava o tempo a cada anoitecer, pedindo, em prece, que o dia seguinte demorasse a chegar e que deixasse, apenas para variar, meus pensamentos sossegados, de preferência num cantinho quieto de lugar nenhum. Sempre gostei de ficar sozinha e em silêncio. Meu lugar preferido cheira a mato, e minhas pernas gostam mesmo é do contato direto com a água corrente da cachoeira. Gosto de vivência de campo no campo, embora precise ajustá-la à dinâmica das cidades.
Em meu silêncio, aprendi a inventar histórias bonitas, cocriando para mim a beleza de um mundo que eu gostaria que fosse. De uma gente que eu gostaria de conhecer e de escritos que eu gostaria de escrever. Escrevo. Nesses interlúdios, vou trocando algumas figurinhas com a realidade apenas para não ser oficialmente louca. Disfarço bem as posturas sociais, mas, por dentro, sou uma criança desvairada que corre pelos campos gritando poesia e conversando com os pássaros. Não parcelo minha felicidade nem economizo a empolgação para os momentos adequados. Por dentro, sou uma explosão constante de espontaneidade e gentileza com o meu eterno.
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Hoje, estou aprendendo a rir de mim também do lado de fora. A ver graça nos financiamentos que observo tantas pessoas fazendo, até aquelas que não gostariam de fazer. Financiam suas vidas, sempre à espera do próximo mês, da próxima parcela, do próximo motivo. Esperam as chegadas dos motivos, veja bem. Isso sempre me soou estranho. Esperar motivos… Um dos meus segredos é inventar os meus motivos. Sinceramente, não espero deles sentido. Não quero que façam, quero que sejam. Que não sejam inéditos, mas únicos para mim. É um combustível que não se vende nos postos, farmácias ou mercados. Meus pelos envergam sem o propósito das emoções e das jornadas empolgantes das crianças de toda idade. Tento traduzir a infância para cada momento de provação que uma adulta passa, apenas para dar risada da maneira como eu me levaria a sério se não fosse criança.