A literatura tem o poder de nos transformar e talvez você já tenha lido isso em algum lugar. O saudoso Mario Quintana já dizia que “Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”, e sim, os livros têm o poder de nos transformar enquanto seres humanos.
Dentre os milhares de escritores ao redor do mundo, vale muito se atentar ao trabalho de uma mulher, de uma escritora poderosa e brasileira: Cecília Meireles. Se você está no processo de autoconhecimento e tem buscado por livros que te ajudem nessa jornada, os cânticos de Cecília Meireles poderão te ajudar.
Cecília Meireles, dentre as mulheres escritoras, é uma das mais importantes. Nasceu no Rio de Janeiro, o pai morreu três meses antes de seu nascimento e quando estava com três anos de idade, sua mãe a deixou, sendo assim, foi criada pela avó materna. Certa vez em uma entrevista ela disse: “Em toda a vida, me esforcei por ganhar e nem me espantei por perder”.
Ela é conhecida por uma série de ofícios: escritora, jornalista, pintora, pesquisadora e professora. Lutou para combater a palavra “poetisa”, por conta da discriminação de gênero e se dizia POETA, muitas outras escritoras adotaram a mesma postura. Em seu poema Motivo, ela enfatiza a sua vocação:
“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.”
A autora vivenciou muitos episódios em sua vida, alguns deles trágicos, como o suicídio do marido Correia Dias. Dentre as tantas obras da autora, há uma em particular: o livro “Cânticos”, de 1981.
Esses cânticos de Cecília Meireles reúnem uma espécie de atmosfera mística e transcendental. Em muitos versos é enfatizada a “eternidade”.
Na filosofia grega, os poemas eram como a apresentação da physis, ou seja, a busca pela sabedoria era como um ato de contemplação, e os versos presentes nos cânticos de Cecília Meireles são como um ato de contemplação que questiona a vida sob a perspectiva da eternidade.
Esse livro reúne experiências de solidão e de liberdade, de encontro com a vida do espírito. Expressa o pensamento originário da Grécia, assim como reúne princípios presentes nos poemas sagrados indianos, como a poesia e a obra de Tagore, que desvenda no cotidiano o pulsar do eterno.
Cânticos de Cecília Meireles – um chamado de paz à alma
I
Não queiras ter Pátria.
Não dividas a Terra.
Não dividas o Céu.
Não arranques pedaços ao mar.
Não queiras ter.
Nasce bem alto.
Que as coisas todas serão tuas.
Que alcançarás todos os horizontes.
Que o teu olhar, estando em toda parte
Te ponha em tudo,*
Como Deus.
*(Estarás em tudo)
Nesse cântico, por exemplo, a autora propõe uma compreensão do Universo infinito como é e da importância do desprendimento no verso “Não queiras ter”. O “Nasce bem alto” de alguma maneira está relacionado com o nascimento a partir da consciência de que fazemos parte da totalidade, somos o TUDO, parte do eterno.
II
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens. . .
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade. . .
É a eternidade.
És tu.
Perceba a grandiosidade desse cântico e de como ela propõe a meditação de que somos seres eternos, de que não há final, não há morte definitiva.
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VI
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Sinta o poder dessas palavras e como são um chamado a uma espiritualidade livre, sem dogmas, mas de uma consciência individual de que todos os dias você morre e nasce, todos os dias de alguma maneira se renova, não importam as circunstâncias (no amor, na tristeza, na dúvida, no desejo).
Leia Cecília Meireles – leia livros escritos por mulheres
Há tantas obras magníficas escritas por mulheres que você precisa conhecer. É importante abrir o leque de alternativas de leitura, principalmente para conhecer mais obras escritas por mulheres. É fundamental, sobretudo para o público feminino, repensar o “ser mulher” por meio de narrativas escritas por mulheres.
Experimente ler o livro “Cânticos” de Cecília Meireles como uma ferramenta de autoconhecimento, como parte da sua meditação diária, como um exercício de repensar o seu papel no mundo, os seus propósitos, a sua atuação. Seja livre das amarras que lhe impedem de ser quem você é.
Um livro não é apenas um livro. Muitas vezes um livro pode representar uma porta rumo à liberdade.