Autoconhecimento Convivendo

Somos todos tóxicos

Mulher branca usando óculos com a cabeça baixa num tronco.
Til Jentzsch / Unsplash
Escrito por Alex Gabriel

A necessidade de expressar de maneira mais exata os nossos sentimentos, emoções, opiniões e afins é o que comumente nos leva ao uso de metáforas, que, em suma, são figuras de linguagem que produzem sentidos figurados por meio de comparações. É daí que surgem expressões como “saúde de ferro”, “fulano é um gato” e outras mais sutis como “fazer amor”, por exemplo.

O adjetivo “tóxico”, quando aplicado a uma pessoa, é também metafórico, vez que, na prática, uma substância venenosa, que produz efeitos nocivos ao organismo, pode ser tóxica, mas não uma pessoa.

Esse uso do termo é mais um modismo – como falar de empatia ou escrever “gratidão” nas redes sociais sem que haja real sentimento por trás disso –, e veio na mesma leva de expressões que, se por um lado revelam uma maior tomada de consciência, por outro evidenciam o quão profundamente fragilizada é a geração atual.

Vez que tudo é dual no mundo da matéria, o uso do adjetivo “tóxico” como qualificação de pessoas tem, naturalmente, o seu lado positivo. Perceba que, se partimos do princípio de que sofisticação de linguagem está diretamente ligada à sofisticação de pensamento, o uso de expressões como “tóxico”, “abusivo” e afins tem um potencial empoderador.

Por outro lado, porém, ao qualificar alguém como “tóxico”, não raro estamos a nos colocar no supostamente cômodo e privilegiado lugar da vítima: se o outro é tóxico, logo, eu sou um poço de virtude, encarnação da própria empatia, “alecrim dourado que nasceu no campo…”

Entenda que em momento algum pretendo culpabilizar as reais vítimas de relacionamentos abusivos, manipulação e demais ardis narcisistas. O que faço aqui, e com a devida cautela, é um convite a investigar o uso metafórico do termo “tóxico”, o que é, de certa forma, também um convite ao autoconhecimento.

Mulher branca iluminada por luzes coloridas.
Spencer Quast / Unsplash

A quem estamos a chamar de tóxico? O abusador que intimida e nos faz reféns em relacionamentos doentios ou o sujeito que simplesmente não atendeu às nossas expectativas? Quantas vezes qualificamos o outro como tóxico após o fim de um relacionamento no qual nos mantivemos por pura imaturidade e/ou carência? Quantas vezes a vilanização do outro se nos apresenta como recurso para lidarmos com a nossa frustração?

Certa vez o Pe. Fábio de Melo disse: “Às vezes é preciso inventar um ódio, uma mágoa, um menosprezo, para que o amor não correspondido se torne suportável.”

Fato é que muitas vezes tomamos por tóxica a pessoa que não nos dá o que desejávamos ou que traz à tona questões sobre nós mesmos. Não raro a carência nos leva a ignorar, voluntariamente, os sinais que estavam ali desde o início, e, quando a coisa explode e a gente se magoa, o outro é tóxico, o outro é desumano e vil.

Em tempos em que existe todo um culto à vitimização travestido de empoderamento e todo um projeto segregacionista disfarçado de luta pela igualdade, é necessário que haja da parte de cada um muita sobriedade e disposição para encarar a si próprio.

Nós também somos tóxicos quando insistimos depois de um não. Nós também somos tóxicos quando nos agarramos a uma ilusão diante da evidente incompatibilidade de interesses. Nós também somos tóxicos quando nos impomos na vida de quem nem sequer faz parte da nossa. Nós, por muitas vezes, somos vítimas, mas não raro também somos algozes na vida de alguém.

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Ademais, o relacionamento com pessoas tóxicas é, comumente, um convite a encarar as nossas próprias sombras projetadas no outro. E insistir na posição da vítima, não raro, equivale a negar os nossos defeitos. É doloroso ser a vítima, mas é preferível à dor de enxergarmos a nossa parte feia, é mais cômodo se comparado à necessidade de assumirmos a responsabilidade sobre nossa vida.

Como bem diz um texto atribuído a Shakespeare, “as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos.”

Textos sobre autoconhecimento costumam ser ilustrados com a bela e imponente imagem do Buda, o que não raro nos conduz a uma ideia equivocada de autoconhecimento como perfeição, iluminação ou coisa que o valha, mas é justamente o contrário! Autoconhecimento tem a ver com aceitar-se falível por condição e, a partir daí, se dedicar a cada aspecto que carece de cura.

Eu sei que às vezes as pessoas nos machucam. Sei que há os que praticam o mal e nos vitimam, nos magoam e nos destroem por dentro. Eu sei e lamento por isso. Mas eu sei também que pessoas e situações são por nós atraídas por afinidade, de modo que, quanto mais nos conhecermos, menos tóxicos serão os que estiverem à nossa volta.

E menos tóxicos seremos nós, sobretudo para nós mesmos.

Sobre o autor

Alex Gabriel

Mineiro de Belo Horizonte, Alex Gabriel é graduado em Letras e especialista em Revisão de Textos pela PUC Minas. É poeta, pai adotivo das vira-latas Diva e Nathalie, tem sempre um bom livro a tiracolo, acredita na Educação e vive cheio de fé na humanidade.

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