No artigo anterior, eu havia prometido falar dos guias elaborados em nossa cultura ocidental durante a Idade Média; porém, antes de continuarmos nossa exploração pelo assunto, não podemos nos esquecer de outras importantes culturas antigas que nos influenciaram, até os dias atuais.
Roma
De certo modo, o homem medieval foi muito influenciado pelo poema “Eneida” (Aenis, em latim) escrito pelo poeta romano Virgílio (70-19 a.C), o qual narra as aventuras do herói troiano Enéias;.
No Canto VI da Eneida, Enéias desce ao Inferno a fim de encontrar a alma de seu pai Anquises. O herói realiza a viagem auxiliado pela sacerdotisa Sibila, a quem o guia naquele mundo. No poema é descrito que Enéias vê várias almas postadas nas margens do rio Aqueronte, quando questiona quem seriam aquelas pessoas, lhe é respondido que aquelas eram as almas das pessoas que não haviam tido ritos fúnebres, logo suas almas não podiam cruzar o rio.
O Aqueronte era um dos cinco rios que cruzavam o mundo inferior, dizia-se que possuía afluentes na superfície, mas sua maior parte ficava sob a terra. Este rio era considerado a fronteira entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, pois para se chegar ao Hades propriamente, teria que atravessá-lo, e a única forma de fazer isso era através do barco do barqueiro Caronte, o responsável por levar os recém-mortos até Hades.
Caronte, filho de Nyx, a deusa da noite, era descrito como tendo uma aparência cadavérica e envelhecida. A travessia do Aqueronte não era de graça, havia uma quantia a ser paga. As versões variam entre se pagar uma moeda ou duas, mas de qualquer forma, se tal singela quantia não fosse paga, a alma não poderia atravessar e ficaria presa no mundo dos vivos, retornando como um fantasma. Porém, se uma alma aguardava à margem do Aqueronte por cem anos, Caronte fazia a cortesia de atravessá-la.
Tendo atravessado o rio, as almas voltavam a pisar em terra, ficando diante de um grande portão enferrujado e bem antigo, e de aparência retorcida e sinistra. Aqueles eram os portões do Inferno, e do outro lado, vigiando com seus seis olhos, estava o cão de guarda do Inferno, Cérbero, cuja função era impedir a fuga dos mortos do Inferno.
Enéias e Sibila percorreram uma estrada pedregosa até chegaram a um grande portão de bronze, o qual dava entrada para o tribunal do juiz Minos. O julgamento era feito por mais dois juízes além de Minos, e sentenciariam as almas a três locais:
- Érebo: em geral, a grande maioria das almas ficavam residindo no próprio Érebo, vagando como “sombras“ por aqueles campos obscuros. Ao meu ver, tal sentença não era uma “condenação”, mas seria um “meio-termo”, pois este destino não era tão pavoroso e sofrível como ir para o Tártaro; por outro lado, não seria bom como ir para os Elísios. Talvez esta ideia de um lugar no além sem alegrias tenha influenciado os autores cristãos na Idade Média, criando o conceito de “purgatório”.
- Tártaro: Para lá eram enviadas as pessoas que foram muito cruéis em vida, grandes pecadoras ou que tiveram afrontado os deuses.
- Campos Elísios: As almas boas e bem-aventuradas, seriam enviadas para esse local de paz e felicidade.
Bardo Thodol – O Livro dos Mortos Tibetano
O “Bardo Thodol”, também chamado de “Libertação Através da Escuta Durante o Estado Intermediário” ou “Libertação Através da Escuta”, o texto tibetano descreve o processo pelo qual o moribundo atravessa, deixando seu corpo físico. A intenção é guiá-lo através de diversas experiências que sua consciência irá vivenciar desde os primeiros sinais de aproximação da morte até o intervalo entre a morte o próximo renascimento, período este conhecido como bardo (em tibetano).
Oh, amigo
O tempo caminha em direção a ti para te levar a novos planos de realidade.
O teu ego e teu nome estão prestes a acabar.– O Livro Tibetano dos Mortos – Primeiro Bardo
De acordo com a tradição tibetana, o livro foi escrito durante o século VIII por Padmasambhava, e enterrado nas montanhas do Tibete Central, sendo redescoberto no século XIV por Karma Lingpa.
O Bardo Thodol chegou ao Ocidente com a tradução feita pelo antropólogo americano Walter W. Evans-Wentz, em 1927, com o título “O Livro Tibetano dos Mortos”, e atraiu a atenção de diversos estudiosos na época, como o psicólogo suíço Carl G. Jung, que utilizou o texto para apoiar a sua teoria sobre o inconsciente.
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Na cultura popular, o livro ficou mundialmente conhecido quando o escritor e filósofo inglês Aldous Huxley apresentou a obra ao psicólogo americano Timothy Leary, que conduzia experimentos com a droga LSD. Para Leary e seus colegas, o Livro Tibetano dos Mortos era “a chave aos mais inacessíveis recessos da mente humana (…) e um guia aos que procuram o caminho da libertação espiritual“. O cantor e compositor inglês John Lennon compôs algumas canções, também influenciado pelo livro.
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