Houve um tempo em que a palavra valia como um contrato: se você se comprometesse com algo verbalmente, ninguém tinha dúvida de que cumpriria. Pessoas se casaram, terras foram transferidas, tudo porque alguém “deu a palavra”. Será que hoje ela está perdendo um pouco de importância? O Dia da Mentira é um bom motivo para pensarmos sobre isso.
Para a antroposofia, a palavra é considerada uma das três conquistas: a primeira é o andar; a segunda, o falar; e a terceira é o entendimento do “eu”. Se você pensar na frase de Cristo “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, vai conseguir ver as conquistas expressas nela também.
Compromisso com a verdade
Tanto para a antroposofia quanto para os indígenas, a palavra sem alinhamento com ações é vazia.
Os indígenas usam o termo “pôr as palavras para andar”, que a meu ver tanto pode ser entendido como colocar em prática o que se aprende quanto fazer o que se fala. As duas interpretações, porém, apontam para um compromisso com a palavra e a importância dela.
Para o hinduísmo, isso é chamado “satya” e é um dos preceitos da conduta de um yogi. Vai além de falar a verdade, mas também inclui a coerência e considerar como a palavra afeta outras pessoas.
Conceito de mentira
Existem mentiras explícitas (falar que foi a um lugar ao qual não foi), mas penso que existe uma linha cada vez mais tênue do que é considerado mentira. Por exemplo: mostrar só positividade nas redes sociais é mentir? Esconder um detalhe importante sobre algo para aumentar a chance de venda é mentir?
No último mês, um reality show mostrou a conversa de um participante explicando como se pode plantar mentiras (ou distorcer uma verdade) para, por exemplo, mudar opiniões ou o resultado de uma eleição. Ou seja, uma mentira pode mudar o destino de um país inteiro.
Mentira e a pandemia
Alguns estudiosos da antroposofia consideram que a pandemia está relacionada à mentira, é resultado dela.
“Num momento global em que as mentiras se espalham como vírus (fake news), isso tem completo sentido. São manipulações em rede global espalhadas pelos próprios usuários, nas redes sociais – WhatsApp, Facebook e Twitter – com alcance e velocidade incríveis (similar à velocidade de contágio do coronavírus). Eles são contaminados por tais mentiras, que se apossam de sua consciência, distorcendo a percepção da realidade. Tais mentiras são tão contagiosas quanto o coronavírus. Estamos em uma pandemia de mentiras também. O coronavírus pode ser a reverberação de tal epidemia, tanto em velocidade de contágio quanto em escala.” (Biblioteca Antroposófica, comentando a fala de Rudolf Steiner em Teosofia Rosacruz, Leitura VI, A Lei do Destino, GA 99).
Mentira e o impulso crístico
Cristo dizia: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
Relacionado a isso, Rudolf Steiner disse o seguinte no texto “O nascimento do Cristo na alma humana”:
“Se vocês sentem uma reação cada vez que vocês mesmos ou outros não respeitam a verdade, quando se confrontam com a falta de verdade, quando sentem que no mesmo momento em que a falta de verdade entra na esfera das suas vidas, um impulso os cerca como que ameaçando e indicando a verdade, um impulso que não deixa entrar a mentira em suas vidas, que continuamente os anima a respeitarem a verdade, então sentirão a vida do impulso crístico em contraste à vida tão dada às aparências.”
Mentir para si mesmo
Por último, vale refletir sobre quanto mentimos para nós mesmos e quanto de sofrimento nossas incoerências nos trazem.
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Se você acha que não, pense: você realmente gosta do seu trabalho, ou é só algo que você continua a fazer por status? Você gosta de trabalhar, ou é só algo que você diz a si mesmo, porque pensa que é a coisa nobre a se fazer? Seus filhos são uma bênção na sua vida, ou te trazem uma dor sobre a qual você não consegue falar? Você bebe mesmo só uma vez por semana? Tudo que acontece com você é responsabilidade de outra pessoa?
Que mantenhamos cada vez mais o nosso compromisso com a verdade, para os outros e para nós mesmos.