Antes de qualquer palavra, não pretendo defender a tese de que já atravessamos a atual crise, pois ainda estamos em meio a ela, mas é fato que a situação sanitária, social e econômica mudou o mundo de forma significativa com impacto jamais visto nas últimas décadas. Os hábitos, a forma como nos relacionamos, trabalhamos, compramos, planejamos e sentimos não é mais a mesma.
Muito tem se noticiado sobre o aumento de casos de transtornos psíquicos após o início da pandemia, dos casos de violência, divórcios e desgaste emocional nas relações.
Certo dia, em conversa informal com uma colega de trabalho, comentávamos sobre o quanto o cenário ameaçador tem nos abalado emocionalmente. E não somente o cenário externo, mas o que há em nós fez-se mais evidente. É como se o momento representasse um encontro com nós mesmos, no entanto sem hora marcada.
Aquele que “descontava” sua raiva no futebol com os amigos, já não pôde agir da mesma forma. Aquele que tinha problemas crônicos em seu casamento, já não podia passar o dia todo, até altas horas, no escritório para não ter de enfrentar os problemas. Aquele que se utilizava de todos os meios de entretenimento e diversão para acalmar a angústia guardada há tempos em si, já não podia utilizar de tal recurso, ou seja, a pandemia nos obrigou a olharmos para nós mesmos e isso foi feito da forma mais severa que poderíamos imaginar.
Com tudo isso, acredito que um grande legado desses tempos difíceis sejam esses contatos, a vivência nas adversidades, o processo de desconstrução e a seguinte reconstrução de nós mesmos. Nunca se teve tantas provas acerca da importância da saúde emocional como agora.
Uma pandemia com variantes que surgem em múltiplos lugares do mundo, a incerteza sobre a continuidade da vida frente às repentinas perdas de familiares, amigos e conhecidos, tudo isso ativa em nós a angústia e a ansiedade como resposta ao perigo que estamos correndo. Sem contar as inseguranças econômicas e alimentares para grande parte da população menos favorecida.
Nesse contexto, é relevante falarmos sobre enfrentamento, ação que difere da tendência comportamental natural do ser humano de evitar a angústia e se aproximar do que gera prazer. Para enfrentar, é preciso antes reconhecer, em seu sentido literal (conhecer de novo), o que carregamos em nossa trajetória, mas guardamos nos porões de nosso inconsciente para não sentirmos mais a dor desses traumas. Reconhecer o perigo que estamos enfrentando, nossos medos e inseguranças, ao tempo em que podemos reconhecer que, há, sim, perspectivas de vencermos os desafios da atualidade, e isso é essencial para combatermos a angústia.
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Enfrentamento também significa apostar em novos alinhamentos de expectativa, pautados no que é possível ser feito realmente. Significa apostar naquela conversa com nosso (a) companheiro (a) sobre o que tem causado incômodo e distanciamento na relação. Significa deixar as distrações para, pela primeira vez, encararmos nossos medos mais primitivos de frente.
O momento ainda assusta, mas igualmente se configura como oportunidade ímpar de alcançarmos o que parecia intangível: o reconhecimento do nosso eu.
Referências:
https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/depressao-ansiedade-e-estresse-aumentam-durante-a-pandemia/