Comportamento

Comparação em tempos de redes sociais: porque ela acontece e o faz sofrer. Sai dessa agora mesmo!

Jovem branca segurando celular com expressão triste.
rawpixel / 123rf
Escrito por Andrea Fray

Você, de alguma forma, não sabe lidar com as redes sociais por ficar se comparando com o que lá vê? Passa mal ou se sente consumido por elas? Leia este artigo…

Por que ela acontece e o faz sofrer? Saia dessa agora mesmo!

Graças ao universo digital, vivemos em um mundo de fácil acesso às vidas alheias, famílias alheias, viagens, gostos, alegrias, tristezas, falecimentos, lutas e lutos também alheios. O problema começa quando há uma fixação alienante pelo mundo virtual, de modo a permitirmos que tais contextos alheios afetem nossa realidade interna, desestruturando valores humanos basais, como o amor-próprio.

Já é fato comprovado que a vida nas telas e nas redes rebaixa as nossas cognições e as nossas já precárias filtragens sensórias, o que contribui ainda mais para um contínuo ciclo tóxico de consumo exagerado e sem discernimento de fatos e fakes, além de favorecer adoecimentos psíquicos, como os causados pela comparação.

Vamos lá?

Como terapeuta, atendo diversos casos de sofrimento e perda de contato com a realidade derivados dessa livre concorrência entre as pessoas em meio a seus vazios inerentes particulares contrastantes com o alheio pleno.

Não é segredo que a realidade virtual e o conteúdo digital permitem uma conexão mais abrangente do indivíduo com o mundo, porém, ao mesmo tempo, criam um ser humano solitário, marcado pela desconexão consigo mesmo e pelo apequenamento do seu olhar para a realidade, não só no sentido literal, em razão da limitação margeada das telas, mas também e principalmente pela cultura do approach, o que nomeio a cultura da realidade nichada.

Quando uso o termo nichado, refiro-me a uma imensurável sistemática humana associada à tecnológica criada para direcionar nossos olhares a uma fatia específica da realidade como se ela fosse a única a ser consumida, semelhante a um truque de mágica ou às práticas de nossa velha e boa publicidade, com produtos e marcas específicos. Porém hoje de maneira mais invasiva, realizadas a partir de algoritmos desenvolvidos não só para propor consumo, mas para reger a nossa interação social, influenciando, de formas inimagináveis, a noção individual de realidade privada e pública e a percepção de vida e de nossa autoimagem.

Para comprovar esses preceitos, é relevante citar um dado exposto no Mídia.JOR 2021, evento que reúne jornalistas para debater conteúdos atuais da área. Foi atestada, diferentemente do que se pensava, a existência de alto consumo de notícias por parte dos jovens, porém desde que sejam nichadas, e não mais descritivas e lineares, como de praxe no antigo jornalismo. Ou seja, os jovens se conectam a notícias que devem ser embaladas não por um invólucro físico, mas por uma vertente direcionada (approach), tal qual já exposto, como na estratégia de venda e consumo.

Ícones de redes sociais.
Alexander Shatov / Unsplash

Você sabe que o comportamento dos jovens revela tendências no mundo, dita para onde e por onde a sociedade caminha e irá caminhar, por isso é possível afirmar que o contexto é oportuno para a indução da exposição pessoal como produto e que, globalmente, estamos alimentando um inconsciente coletivo marqueteiro, que nos incentiva a fazer de nossas vidas e nossos relacionamentos produtos consumíveis e palatáveis. A manchete no jornal, para isso, seria algo do tipo: “Torne sua vida atraente, as suas verdades produtos e os seus relacionamentos exemplares para, assim, ser você consumido, reconhecido e validado!”.

Convenhamos que essa proposta é TUDO para seres carentes e precários como nós, neuróticos seres humanos, ou pelo menos para a maioria de nós, pois nessa ideia está contida a venda do pertencimento, tão emocionalmente vital para suprir um vazio permanente.

Sim! Entenda e aceite, somos seres faltantes, e a falta é a base da neurose nossa de cada dia! Por isso podemos dizer que a comparação é a busca incessante e desesperada por si mesmo na vida alheia, visando satisfazer desejos e vazios por meio da fantasia das histórias do outro, as quais a pessoa que se compara está fadada a nunca concretizar.

A neurose e o vazio

Um observação a respeito da neurose referida acima é a de que não se trata dela em nível doentio, mas da neurose que estrutura o psiquismo da maior parte dos indivíduos, constituída a partir do momento em que, ainda bebês, percebemos a cisão com o útero, lugar teoricamente de proteção, acolhimento e acondicionamento extremos, e a impossibilidade de retornar a ele, o que gera uma angústia permanente de falta e vazio e a procura eterna pela completude.

Entende agora por que a venda pertencimento casa com o ideário de nirvana proporcionado pelas redes sociais?

O poder do mergulho voyer na realidade alheia

Ainda nessa sistemática virtual, uma prática perversa eleva o ato da comparação a uma patologia. Chamo de um mergulho voyer nas realidades alheias. Tal mergulho, seja por curto, seja por longo período de tempo, dá a falsa sensação de plenitude e de preenchimento da falta neurótica inerente e eterna dos seres humanos.

Exemplo: imagine um ato sexual induzido por realidade virtual com um ótimo gozo cumprido e, logo após, a retirada dos óculos e o retorno ao mundinho real, físico. Aquela mente dotada virtualmente de poder e realização repentinamente se vê absolutamente imersa num vazio desempoderado.

O sentido do desejo e a comparação patológica

Mulher branca usando o celular.
Becca Tapert / Unsplash

Bem, não discordo do uso de tecnologias. Usufruo delas, porém insisto: seus direcionamentos estão confeccionando seres humanos desestruturados psiquicamente e cada vez mais vulneráveis a despercebidos e nocivos bombardeios emocionais, induzindo a cadeia humana a uma só direção de desejo.

Aliás, por falar em desejo, sabemos que ele é um dos motores da vida. Mas você dificilmente conseguirá corresponder a todos os estímulos e todas as concretizações desejadas, ou se satisfará com os desejos realizados, posto que esta é a natureza do desejo: insaciável, já diria Buda. E é por isso que se sofre ao se comparar, pois aquele que tem o que você deseja mostra para você a possibilidade do que lhe é mais distante mas que você, por ser como é, com a história que tem, não consegue e, por isso, seguindo a lógica doentia e irracional da comparação, traz como solução tornar-se aquele ser completo para poder ter o que ele tem.

Todos nós sabemos que haverá sempre alguém maior e melhor e também menor e pior que nós mesmos, é um fato lógico. Mas a comparação patológica se dá quando o sujeito se ressente da existência de outro ser humano por ele divinizado, acredita que não seja o escolhido de Deus e então, relegado à sua inferioridade, esteja destinado a ser um medíocre. E, assim, vive perseguido pela sombra de seu fracasso diante da existência desse outro ser maravilhoso, criando para si uma redoma de sofrimento incessante, de modo a condenar sua existência à dor de não ser o outro e ao desejo de destruir aquele que o matou ainda em vida.

O perfil de quem se compara

O perfil do sujeito que se perde no outro e vaga no mundo do alheio é o de um sujeito com autoestima baixa, emocionalmente carente e, de certa maneira, um vaidoso recatado, ou seja, aparenta ser modesto mas quer mesmo ser tratado como rei. Vaidoso porque quer chegar num lá tão grande que se projeta para fora de si mesmo, não aceitando ou até odiando o tamanho que tem.

Tende a ser um sujeito que esconde de si mesmo as suas limitações, mente para si mesmo e para os outros, surfando na onda da autoimagem perfeita e precisando corresponder desesperadamente ao que acredita serem os valores morais, éticos, religiosos, financeiros, da ordem do status aceitável e, por isso, acaba realizando os seus desejos mais verdadeiros e não aceitáveis nas salas obscuras da privação exacerbada, onde sua vaidade perturbadora pode desabar em comportamentos doentios de satisfação viciosas, violentas ou masoquistas.

Você também pode gostar

Quem não? Quem nunca?

Pois é! Todos nós estamos potencialmente abertos a entrar nesse jogo e a nos destruir na comparação.

Consequência da comparação

Uma consequência doída e perigosa da comparação é, em sua última instância, a cisão do sujeito consigo mesmo, ou seja, ocasião em que a pessoa corrompe seu ser, destituindo-se de si mesma e não só desvalorizando a si própria, mas toda a sua história de conquistas e afetos, e desprezando seu modo de viver e a vida que tem, além de tudo aquilo que deseja e potencialmente pode realizar.

Resumo das razões para a comparação

  1. A própria neurose em si, que condena o homem à falta eterna.
  2. Razões acentuadas pela forma e pelo contexto de vida do século XXI: novos parâmetros de aceitação e validação social.
  3. Pessoas condicionadas a menor interação social tête-à-tête, cada vez mais implicadas no mundo virtual, despreparando o sujeito e seu organismo ao treino de respostas emocionais e comportamentais na interação com a realidade das interrelações.
  4. Baixa autoestima e vaidade extremada; falta de aceitação de si mesmo.

Saia dessa agora mesmo!

Se você se identificou de alguma maneira com algo aqui descrito, analise-se e saia dessa agora mesmo. Aproveite algumas destas recomendações abaixo, pois podem auxiliá-lo:

  1. Ao se perceber frustrado, em condição de mal-estar em relação a alguma pessoa, conquista alheia, rede social, procure voltar a sua atenção para seu corpo e para o seu entorno. Respire profundamente.
  2. Faça uma pausa, desligue-se de tudo e concentre-se na batida de seu coração. Tente se reconectar com você a partir do contato com seu corpo.
  3. Se possível, aproveite e questione-se acerca do que VOCÊ almeja realizar na vida, mas ainda se sente enfraquecido para fazer e anote a resposta no papel.

A ideia aqui é que você possa usufruir do gatilho proporcionado pela comparação com o outro para ampliar a sua percepção sobre si mesmo (re)visitando suas possíveis vontades e seus medos para se aproximar deles e, posteriormente, direcionar suas forças e mensurar a sua real possibilidade de querer e poder desenvolvê-las.

Jovem branca numa janela.
Joshua Rawson-Harris / Unsplash
  1. Atente-se à realidade da sua comparação, pois, muitas vezes, o fato de admirar algo não significa querer/ser ou fazer aquilo que se admira. Cuidado para não deslumbrar-se e desviar-se do seu caminho.
  2. Trabalhe as seguintes crenças positivas da abundância: “Não é necessário tirar do outro para eu poder ter. Há abundância suficiente para todos” e “o que é meu é meu, o que é do outro é do outro”.
  3. Procure dar uma pausa na ânsia pelas mídias e no vício que tem nelas e vá fazer algo por si mesmo, preferencialmente envolvendo seu corpo em atividades nas quais haja interação física, práticas aeróbicas, pois, quando o corpo está envolvido, é mais fácil proporcionar presença a si mesmo. Pode ser a prática de exercícios como natação, caminhada, corrida; pode ser o envolvimento em jogos leves, como peteca, vôlei, futebol; pode ser a leitura de um livro. Mas melhor que tudo isso podem ser: um banho, 30 polichinelos, meditação guiada
  4. Frases de declaração, como “Eu, aqui e agora” e “O outro é o outro, e eu sou eu”, podem também ajudar pontualmente na autorregulação psíquica e no automanejo comportamental.
  5. E, caso não consiga retomar-se sozinho, procure auxílio profissional qualificado, pois esse comportamento provoca prejuízos cognitivos, rebaixamento da inteligência e doenças psicoemocionais, como ansiedade e depressão.

Sobre o autor

Andrea Fray

Terapeuta integrativa sistêmica, pós-graduada em psicologia cognitiva e comportamental com ênfase em terapia familiar e de casal, master em hipnose conversacional (Change Work) e coach - life, leader, professional (turn point).

Possui também especialização em meditações ativas, gestão de pessoas e formação em processos gerenciais.

Idealizadora do método CCD (Current Context Diagnosis) de terapia breve.

Pesquisadora, escreveu artigo científico, abordando a autenticidade como método na clínica psicológica.

Atua desde 2005 realizando atendimentos individuais e para grupos com crianças, adolescentes e adultos em espaços terapêuticos, escolas, CAPSIS, promovendo projetos próprios na área de desenvolvimento humano, atendendo demandas de forma exclusiva, criando propostas e processos totalmente particulares.

Email: terapia.synaptyco.4u@gmail.com
Facebook: andreafray.synaptyco
Instagram: @andreafra.y
Site: synaptyco.com
Site: anchor.fm/andrea-fray4