Sinto as nuances de meus pensamentos percorrerem as intimidades do meu íntimo, florescendo algo a ser descoberto, refrigerando algo por algum motivo abafado. Sinto algumas vértebras se realocarem ao mesmo tempo em que fico surpreendida com algumas atmosferas em profusão. Esse processo de despertar todos os dias é uma reserva infinita de chegadas dentro de nós mesmas.
Olho para as pessoas que me cercam e sinto que sempre temos o que mostrar, falar, resplandecer. Esses ouvintes de temporada não mais atraem minha atenção, pois é muito tempo gasto olhando para os lados quando o mais interessante está a um interior de distância. Por essas caminhadas tantas, sinto aconchegar um sentimento meu, único e exclusivamente meu.
Por mais que eu percorra as linhas da autoexigência sobre minhas próprias produções, cada vez mais tenho percebido que meus freios estão justamente onde eu os coloco. E nada diferente disso. Não é possível terceirizar pensamentos, tampouco prever indícios de qualquer coisa que esteja fora de nós e, sobretudo, fora do tempo que corre no instante do agora, isto é, no agora instantâneo das invenções que não deixam nossa mente sossegar, mas que, no fundo, servem só como distrativos de algo que, todo o dia, vamos descobrindo por nós mesmas.
Há tantas vestimentas empoeiradas em meu armário e tantas versões ultrapassadas de mim que não se refletem mais no espelho. Costumo distrair-me ensaiando caras e bocas em frente aos espelhos das horas, costurando certas rupturas acidentais, ao mesmo tempo em que troco os pontos de outras. A vida por si só deve ser mesmo esse joguete ininterrupto de novas poses em relação a nós mesmas. De novos olhares em relação ao que já existe. Não é preciso reinventarmos a roda para descobrirmos outras funções ao que usamos. A apropriação é um fenômeno antropofágico, e não somos nós o objeto de antropofagia. Pelo menos, não deveríamos ser.
Para mim, algo está muito claro em relação a essa dinâmica. Durante muito tempo na vida, vamos experimentando roteiros e sensações, esperando que algo caiba dentro do nosso peito. É uma falácia, no entanto, imaginar que haja algo sob medida, que haja estradas prontas ao trajeto. Toda a diversão, nesse caso, estaria aniquilada pela previsão de cada caminho. Atento-me ao que se abre conforme percorro, pois residem aí as maiores profundezas do destino.
Sinto, por vezes, pena de mim e penso que todas, em algum momento, somos acometidas por esse sentimento. É por isso que, nesse momento, deixo um alerta sobre essa queda de estima a respeito de nossa potência, pois não é digno de pena quem tem força para erguer todos os desejos incubados pelas caixas limitantes de nossa educação. Há muito mais a ser explorado sempre. E, quando achamos que finalmente tudo já foi descoberto, a vida nos brinda com a realeza de um pacote bem amarrado de novas possibilidades sobre os escritos. Minha poesia se alimenta da própria adequação, até mesmo porque quem seria o escritor se não tivesse em mente que seus escritos pertencem menos a ele do que a qualquer outro leitor que o absorva?
Essa primazia das interpretações me suscita a ânsia por mais. Meu corpo estremece frente às chances do acaso, temperado com a sutileza de um olhar maduro sobre a aventura mais genuína que somos capazes de provar ao longo dos dias. O amanhecer, cada vez mais, tem se apresentado com essa imagem de novo e de inusitado para mim. Minhas mãos têm formado nuances importantes pelo tempo, o que me serve como certificado das experimentações ilógicas de um resultado que, cada vez mais, tenho deixado como segundo plano. Viver em função dos resultados é angustiante. Mais valem os resultados que vêm por vivermos. Não sei a vocês, mas, a mim, essa lógica parece menos estúpida. Nada é precoce quando nos deixamos surpreender.
Quando olho para minhas novas marcas, enalteço a importância dos detalhes que contam suas histórias. Não sou mais de romantizar os episódios da vida, mas gosto de vivenciar a experiência romântica dos fatos tais como são. O meu toque subjetivo está mais na poesia que escrevo a posteriori do que na predileção que encarno antes do acontecido. A emoção de um contador de história é sempre mais pulsante do que a de um pressagista do acaso. Deve ser tediosa a tarefa do prognóstico incessante.
De qualquer maneira, não ouso relatar que transcendi todas essas quermesses da vida e dos sonhos ao olhar para a Lua. Como menina com responsabilidades adultas, ainda me pego fantasiando memórias e ressuscitando cenas apressadas de gostos demorados que surgiram e surgem a todo o momento pela vida. Gosto de cantar as possibilidades como quem já leva consigo os pincéis para colorir os cenários.
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Ainda sou atropelada por meus pensamentos e afogada pela própria falta de tato com algumas sensações. Trago marcas importantes e ainda doloridas de uma vida exageradamente mentalizada, que me ressoa um gosto amargo de controle.
Se pudesse desabafar acerca de limitações, diria que todas estão encapsuladas na cabeça, prontas a serem ingeridas corpo adentro pela teimosia de não acreditar na própria libertação. Cada uma com suas impertinências. A minha, com toda a certeza, é inserida na inescrupulosidade dos tormentos à meia luz de retinas enviesadas no cérebro e, consequentemente, nas emoções.