‘A verdade é uma terra sem caminhos’. O homem não pode chegar a ele por meio de nenhuma organização, de qualquer credo, de nenhum dogma, sacerdote ou ritual, nem de nenhum conhecimento filosófico ou técnica psicológica. Ele tem que encontrá-lo por meio do espelho do relacionamento, da compreensão dos conteúdos de sua própria mente, da observação, não por meio de análise intelectual ou dissecação introspectiva. ‘
Este texto estava quase pronto quando o perdi nas fileiras do Word… Onde havia de cumprir seu extravio. Felizmente me pus a lembrar do maior número de detalhes possível, e aí está o mesmo texto? Não. Um melhor? Não sei o que dizer, só sei que Krishnamurti fez mais duas conferências nesse tempo…
Eu em busca do SER;
Sem máscara ou cicatrizes circulares;
Fronteiras do passado que cabem no bolso…
Um dia a gente volta… Chegou o dia de sair da caverna de Platão e, mesmo enfrentando uma pandemia mundial, fazer-se presente na superfície terrena e obliterando por aqui e por aí com muita vontade de vida – uma vida com a cara e a coragem de dialogar, encontrar pessoas e, dessa forma, seguir uma instrução que recebi de uma jovem com lágrimas na face na entrada da caverna. Sem olhar para trás, segui à risca as instruções escritas num pequeno caderninho e dirigi-me para meu primeiro encontro com…
Entrei, ele já estava. Olhou-me olhou, convidou-me a sentar e ficamos face a face durante alguns segundos-minutos em silêncio, para entrarmos na mesma sintonia, então ficou assim:
Eu — Diálogos sobre a morte – o significado da vida. Ensinar e aprender é a essência da maturidade?
K — E se você realmente estiver observando o seu próprio pensamento, se estiver olhando, experimentando, descobrindo, desapegando, morrendo a cada dia para tudo aquilo que acumulou antes, então nunca fará esta pergunta: “E agora?” Libertar a mente do condicionamento é o fim da dor. Há muitas questões aqui e qual é a função de perguntar e receber uma resposta? Resolvemos algum problema fazendo uma pergunta? O que é um problema? Por favor, acompanhem isso, pensem comigo. O que é um problema? Somente surge um problema quando a mente está ocupada com alguma coisa, não é? O que significa ter um problema? Digamos que a minha mente esteja ocupada da manhã à noite com inveja, ciúme, sexo ou o que for. É a ocupação da mente com um objeto que cria o problema. A inveja pode ser um fato, mas é a ocupação da mente com o fato que cria o problema, o conflito. Não é assim? Digamos que eu seja invejoso ou tenha um anseio violento de um tipo ou de outro. A inveja se expressa; há conflito, e então minha mente fica ocupada com o conflito — como se libertar dele e resolvê-lo? O que fazer a respeito? É o fato de a mente ficar ocupada com a inveja que cria o problema, não a inveja em si — e já, já vamos entrar nisto: o significado completo da inveja. O nosso problema, então, não é o fato, mas ocuparmo-nos com o fato.
Eu — O Futuro da Humanidade é agora?
K — Não há instrutor e não há discípulo. Cada um de nós está aprendendo, mas não a respeito de outrem. Não estais aprendendo a respeito do orador ou de vosso companheiro ao lado. Aprendeis sobre vossa pessoa. E se estais aprendendo acerca de vós mesmos, sois então o orador, sois o vosso companheiro ao lado, sois capaz de amar o vosso próximo; de outro modo, não podeis amá-lo e tudo o que se está dizendo ficará sendo meras palavras. Não podeis amar o próximo se tendes o espírito de competição. Toda a nossa estrutura social — econômica, política, moral, religiosa — se alicerça na competição e, ao mesmo tempo, dizemos que devemos amar o próximo. Isso é uma impossibilidade, visto que onde há competição não pode haver amor. Assim, para se compreender o que é o amor, o que é a verdade, necessita-se de liberdade — e esta ninguém vos pode dar. Tendes de encontrá-la por vós mesmos, com diligente trabalho.
Eu -— No Mistério da Compreensão: a bem-aventurança está entre a primeira ou ultima liberdade?
K — Quase nenhum de nós deseja verdadeiramente ser livre, em qualquer sentido ou profundidade que seja; entretanto parece-me que uma das coisas mais importantes da vida é o descobrirmos, por nós mesmos, como poderemos ser total e completamente livres. Poderá a mente humana, tão fortemente condicionada, tão estreitamente confinada em suas lides diárias, tão cheia de temores e ansiedades, tão incerta quanto ao futuro e tão constante em sua exigência de segurança — poderá ela suscitar em si própria uma mudança radical, só realizável em completa liberdade? Seguramente o que importa é descobrir, experienciar verdadeiramente algo que está muito além da mente, em vez de só ter uma crença que não tem significado algum. E as assim chamadas religiões, cultos a vários mestres, disciplinas, pertencer a seitas, , que estão todos, se você observar, dentro do campo da respeitabilidade social — alguma dessas coisas ajuda a você a descobrir aquilo que é a bem-aventurança atemporal, sem começo e sem fim, a realidade atemporal? Se você não ficar só ouvindo aquilo que está sendo dito, concordando ou discordando, mas perguntar a si mesmo se a sociedade ajuda você, não no sentido superficial de alimentá-lo, fornecer-lhe roupas, dar-lhe abrigo, mas fundamentalmente — se você de verdade colocar essa questão diretamente a si mesmo, o que significa aplicar o que está sendo dito a si mesmo de maneira que isso se torne uma experiência direta, não meramente uma repetição daquilo que escutou ou aprendeu, então verá que o esforço só pode existir no campo do autoaperfeiçoamentos.
Eu — A Questão do Impossível, na rede do pensamento, as reflexões sobre a vida, sobre o amor e a ilusão, ou o aprendizado e o conhecimento. Há conflito sobre Deus? Há liberdade sem medo?
K — Sem liberdade, não se pode descobrir o que é verdadeiro e o que é falso; sem liberdade, a vida é sem profundeza; sem liberdade, somos escravos de toda a sorte de influências e de pressões sociais, das inumeráveis exigências que estamos constantemente enfrentando. E nós temos de mudar, mas não superficialmente, com pequenos aparos aqui e ali; temos de operar uma radical transformação da própria estrutura de nossa mente. Por isso é que sinto ser tão importante falarmos de mudança, discutirmo-la, para ver até que ponto poderá penetrar neste problema. “Mudar” é pensar de maneira totalmente diferente; é fazer nascer um estado de espírito livre da ansiedade em qualquer momento, sem sentimento de conflito, sem luta para conseguir alguma coisa, para ser ou “vir a ser” algo. É estar completamente isento de medo. Para se descobrir o que significa estar livre do medo, acho necessário compreender a questão de “instrutor e discípulo” e, assim, compreender o que é aprender. Aqui, não há instrutor nenhum, nem ninguém que está sendo ensinado. Todos estamos aprendendo. Por conseguinte, tendes de ficar completamente livres da ideia de que alguém vai dar-vos instrução ou prescrever-vos o que fazer; e isso significa uma relação inteiramente diferente entre vós e este orador. Nós estamos aprendendo e não sendo ensinados.
O que buscamos?
O que é que cada um de nós busca não na teoria, no abstrato, mas realmente? E há alguma diferença entre a busca do homem que está querendo satisfação por meio do conhecimento, por meio de Deus, e a do homem que busca ser rico, que busca realizar sua ambição, ou que tenta satisfazer-se bebendo? Socialmente, há uma diferença. O homem que busca satisfação bebendo é obviamente um ser antissocial, ao passo que o homem que busca satisfação entrando para uma ordem religiosa, tornando-se um eremita e assim por diante é socialmente benéfico — mas é só isso. Assim, aquilo que estamos buscando traz de fato contentamento, por mais sérios que sejamos na nossa busca? E somos sérios, não somos? O eremita, o monge, o homem que busca diversas formas de prazer, cada um deles, a seu modo, é muito sério. E isso é seriedade? Há seriedade quando existe a busca por adquirir alguma coisa? Vocês entendem a minha pergunta? Ou só há seriedade quando não existe busca por um fim? Afinal, vocês que estão aqui devem ser pelo menos um pouco sérios; de outro modo, não teriam se dado ao trabalho de vir. Agora, pergunto a mim mesmo, e espero que estejam se perguntando também, o que significa ser sério? Porque penso que o que vou explicar daqui a pouco depende disso. Se você está aqui buscando contentamento, buscando compreender alguma experiência passada, tentando cultivar um certo estado mental que você pensa que lhe dará tranquilidade e paz ou experienciar aquilo que chama de realidade ou Deus, talvez esteja sendo muito sério; mas você não deveria questionar essa seriedade? É seriedade quando você está buscando alguma coisa que lhe dará prazer ou tranquilidade? Se pudermos realmente compreender todo esse processo de busca, compreender por que buscamos e o que buscamos — e esse processo só pode ser compreendido pelo autoconhecimento, pela percepção, pela consciência do movimento do nosso próprio pensamento, das nossas próprias reações e respostas, dos nossos desejos — talvez então descobriremos o que é ser virtuoso sem nos disciplinarmos para sermos virtuosos. Eu penso que enquanto a mente estiver sendo mantida em conflito, ainda que possamos suprimi-lo, ainda que tentemos fugir dele, discipliná-lo, controlá-lo, moldá-lo conforme vários padrões, esse conflito permanecerá latente na mente, e uma mente assim nunca poderá estar realmente calma. E é essencial, me parece, ter uma mente calma, porque a mente é o nosso único instrumento de compreensão, de percepção, de comunicação, e enquanto esse instrumento não está completamente limpo e apto para a percepção, capaz de buscar sem um fim, não pode existir liberdade nem tranquilidade e, portanto, também não pode haver nenhuma descoberta de algo novo. Sendo assim, é possível viver neste mundo — em que há tanto tumulto, ansiedade, insegurança — sem esforço? Para mim, essa é uma questão muito importante, porque a criatividade é algo que só aparece quando a mente está em um estado em que não há esforço. Não estou usando a palavra “criatividade” no sentido acadêmico de aprender a escrita criativa, a interpretação artística criativa, o pensamento criativo e todas essas coisas; eu a estou usando em um sentido inteiramente diferente. Quando a mente está em um estado em que o passado, com o seu cultivo da virtude por meio da disciplina, cessou completamente — só então há uma criatividade atemporal, que pode ser chamada de Deus, de verdade ou daquilo que você quiser. Mas como a mente pode ficar nesse estado de criatividade constante? O que dizem os filósofos têm grande significado para cada um de nós? Alguns intelectuais dizem que há sentido e significado na vida, que ela é importante, enquanto outros dizem que ela é caótica e absurda. Certamente, cada um à sua maneira, negativa ou positivamente, ambos estão dando significado à vida, não estão? Um afirma, outro nega, mas essencialmente ambos são a mesma coisa. Isso é razoavelmente óbvio. Agora, quando você busca um ideal, um objetivo ou indaga qual é o propósito da vida, essa própria indagação ou busca se baseia no desejo de dar significado à vida, não é? Eu não sei se você está seguindo tudo isso. Minha vida não tem significado, vamos supor, e assim eu busco dar significado a ela. “Qual é o propósito da vida?”, eu digo, porque se a vida tem um propósito, então, de acordo com esse propósito, eu posso viver. Sendo assim, eu invento ou imagino um propósito, ou pela leitura, pela indagação e pela busca, eu encontro um propósito; logo, estou dando significado à vida. Assim como o intelectual, à sua maneira, dá significado à vida quando nega ou afirma que ela tem propósito e um sentido, nós também damos significado à vida por meio dos nossos ideais, da nossa busca por uma meta, por Deus, pelo amor, pela verdade. Isso significa, na realidade, que, sem darmos um significado à vida, ela não tem nenhum sentido para nós. Viver não é bom o bastante para nós, então queremos dar um significado à vida. Eu não sei se vocês veem isso. Qual é o significado da nossa vida, a de vocês e da minha, à parte do que dizem os filósofos? Ela tem algum significado ou nós lhe estamos dando um significado por meio de crenças, como o intelectual que se torna um católico ou outra coisa, e assim encontra abrigo? O intelecto dele despedaçou tudo; ele não aguenta estar sozinho, solitário e tudo o mais, então tem que ter uma crença no catolicismo, no comunismo ou em alguma outra coisa que o nutra, que dê para ele significado à vida. Agora, eu me pergunto: Por que queremos um significado? E o que quer dizer viver sem significado algum? Você compreende? Sendo a nossa vida vazia, atormentada, solitária, queremos dar a ela um significado. E é possível estarmos conscientes do nosso vazio, da solidão, da tristeza e de toda labuta e conflito da nossa vida sem tentarmos sair disso, sem artificialmente darmos um significado para a vida? Podemos estar conscientes dessa coisa extraordinária que chamamos de vida, que é o ganho da subsistência, a inveja, a ambição, a frustração — só estarmos conscientes de tudo isso sem condenar ou justificar, e ir além? Parece-me que, enquanto estamos buscando ou dando significado à vida, estamos perdendo algo extraordinariamente vital. É como o homem que quer encontrar o significado da morte e fica sempre tentando racionalizá-la, explicá-la — ele nunca experiência o que é a morte.
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Eu — Será o verdadeiro objetivo da vida o vôo da águia aos pés do Mestre?
K — Certo, a pessoa que está deveras aprendendo, nenhuma autoridade reconhece, nenhuma autoridade busca. Achando-se num constante “estado de aprender” não só das coisas exteriores, mas também das coisas interiores, não pertence a nenhum grupo, nenhuma sociedade, nenhuma raça ou cultura. Quando se está aprendendo constantemente de todas as coisas, sem nada acumular, como pode haver autoridade, instrutor? Como se pode seguir alguém? E essa é a única maneira de viver — aprendendo não dos livros, mas de vossas próprias ânsias, dos movimentos de vosso próprio pensamento, de vosso próprio ser. A mente está, então, sempre fresca, olha todas as coisas de maneira nova, não com os olhos cansados do saber e da experiência. Compreendendo-se isso, verdadeiramente, profundamente, cessa toda a autoridade. Então, este que vos fala nenhuma importância tem.
CONVIDADO 1
Jiddu Krishnamurti (telugu) (Madanapalle, 11 de maio de 1895 — Ojai, 17 de fevereiro de 1986) foi um filósofo, escritor, orador e educador indiano. Proferiu discursos que envolveram temas como revolução psicológica, meditação, conhecimento, liberdade, relações humanas, a natureza da mente, a origem do pensamento e a realização de mudanças positivas na sociedade global. Constantemente ressaltou a necessidade de uma revolução na psique de cada ser humano e enfatizou que tal revolução não poderia ser levada a cabo por nenhuma entidade externa, fosse religiosa, política ou social. Uma revolução que só poderia ocorrer por meio do autoconhecimento, bem como da prática correta da meditação ao homem liberto de toda e qualquer forma de autoridade psicológica.
TRIBUTO
Aos apresentadores Eduardo Weaver e Marcos Resende, que apresentam há mais de uma década o programa “Diálogos sobre a vida: KRISHNAMURTI”, no canal Supren. E todos os domingos, no YouTube, pelo canal da Sociedade Teosófica do Brasil, às 19h30, o programa “Krishnamurti e a unidade da vida”. Quando comecei assistir ao programa, por causa da pandemia, foi me dando uma paz e um sentimento de ter que melhorar muito. Mas muito mesmo. Abandonar o supérfluo. Outra coisa interessante é: quando estou com uma preocupação e os estou assistindo – de repente lá pro meio do programa, o Marcos ou o Edu, eles revezam, começam a falar e a diluir minha preocupação, e olha que isso não aconteceu uma ou duas vezes. É muito interessante. O trabalho de vocês é muito bonito e valoroso. Gratidão!