É muito comum, no dia a dia do consultório, ouvir meus pacientes falando sobre histórias diversas de traição: entre casais, amigos, no trabalho e no seio familiar.
Chama atenção a escuta sobre as tentativas de perdoar quem cometeu a falta, porém, após o perdão, o assunto quase sempre retorna de alguma outra forma no presente, seja por respostas inflamadas por parte da pessoa que se sentiu prejudicada ou por comportamentos dirigidos a outras pessoas que nada têm a ver com o fato ocorrido.
O direcionamento desses comportamentos a pessoas que nada tiveram de participação no evento traumático ocorre por causa de um fenômeno conhecido como projeção. Por exemplo: suponhamos que você se sentiu traído por seu melhor amigo(a) ao descobrir que havia o planejamento desse(a) para tomar posse do cargo que você ocupa na empresa em que trabalham juntos. Suponhamos que a tentativa foi bem-sucedida e que você realmente tenha perdido seu cargo e tenha sido desligado da empresa para que o amigo(a) assumisse a posição. Hoje, ao reconhecer (inconscientemente) pessoas que apresentam o mesmo tipo de comportamento do “amigo” do passado ou que tenham traços físicos parecidos, você poderá agir com considerável antipatia ou reserva diante dessa pessoa que nada fez a você até o momento. Dessa forma, houve a projeção da figura “amiga” nessa segunda pessoa.
Se questionado por outra pessoa sobre seus motivos por tal antipatia, provavelmente será difícil reconhecer algo concreto, daí a justificativa padrão: meu santo não bateu com o dele(a).
Essa lembrança difícil, que insiste em retornar, deixa evidente quanto é comum as pessoas confundirem a diferença entre perdoar e esquecer.
Um dos primeiros conselhos que ouvimos de pessoas que não conseguem captar a dimensão do sofrimento por parte de quem foi traído é dizer: “Esquece isso” ou “passe por cima”.
Ocorre frequentemente que muitos utilizam como ferramenta de enfrentamento o esquecimento, mas, na verdade, significa apenas uma tentativa bem superficial de não pensar mais no fato e não sofrer com ele.
Perdoar é algo diferente. Difere do simples ato de não pensar em uma situação traumática. Significa, ao contrário, que houve muita reflexão acerca do que ocorreu, houve expressão e elaboração psíquica acerca do acontecimento, viabilizando, dessa forma, o perdão — esse afeto que demonstra aceitação acerca da falha cometida pela outro. Para que esse perdão seja possível, é fundamental que a pessoa que se sentiu prejudicada possa falar abertamente sobre isso e que todas as dúvidas e lacunas da história sejam preenchidas com informações sinceras.
Apesar de ser um processo consideravelmente doloroso, somente ele poderá viabilizar o perdão propriamente dito.
O perdão pode ocorrer a partir da constatação dos acontecimentos motivadores e da aceitação real da personalidade e do comportamento daquele que praticou a falta.
A percepção dessa realidade inviabiliza a fantasia e a continuidade das idealizações criadas acerca dessa pessoa, mas é ao final dessa análise que poderá ser compreensível se será viável ou não o perdão e a continuidade da relação anteriormente estabelecida.
Muitos podem ser os motivos que levam uma pessoa a perdoar genuinamente: a constatação de que a parte que errou não o fez com intenções maléficas; a concepção de que o erro ocorreu sem que houvesse consciência plena por parte do errante; a crença de que novos eventos não vão acontecer, entre outros.
Estamos falando sobre um processo que tem como pré-requisito uma boa dose de coragem de ambos os lados. Por parte daquele que se sentiu prejudicado, será necessária a disposição psicológica para falar e ouvir a verdade acerca dos fatos. Já pelo errante, será exigida a coragem de assumir seus débitos e a realidade das suas atitudes.
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Não é motivo para vergonha assumir a incapacidade presente de praticar o perdão. Também não é motivo para se colocar em posição de inferioridade por não conseguir ter forças psíquicas para enfrentar a “exumação” dos fatos. A psicoterapia, nesses casos, poderá ajudar com o fortalecimento emocional, por proporcionar a compreensão do funcionamento subjetivo, viabilizando a tomada de escolhas difíceis, mas necessárias.
Vale lembrar que esse assunto deve ser encarado de forma real, com certo cuidado em relação a conceitos que fogem à razão, para que não se corra o risco de antecipar de forma equivocada a efetivação de um perdão irreal.