Hoje em dia vivemos em uma sociedade que nos pressiona para sermos produtivos, criativos, evoluídos, curtidos e amados o tempo todo, e isso afeta de forma brutal nosso desenvolvimento natural para com o mundo como ele realmente é ou poderia ser. A necessidade excessiva de exportar, em vez de importar, é resultado de pressão criada pelo próprio homem, no mundo corporativo, nas redes sociais. Em muitas classes artísticas, as manifestações a qualquer custo não estão tendo seu verdadeiro valor, e aí, por determinados rótulos, pagam qualquer preço.
É uma geração que está crente de que não tem dúvidas e que sabe de tudo por ter muitas informações, porém informação não é conhecimento e conhecimento não é sabedoria. Como diria o humorista dramaturgo e poeta Millôr Fernandes: “Se você não tem dúvida, está mal-informado”. Esse imediatismo é perigoso e solitário, pois, hoje, ter paciência virou sinônimo de lerdeza, atraso e de ser ultrapassado, sendo que foi justamente a paciência dos antigos que fizeram com que pudéssemos hoje ter um pouco mais de conforto para justamente sair da zona de conforto com segurança e consciência, não apenas viver por viver cada dia como se fosse o último, porque um dia poderá de fato ser o último, então de que adiantou tanta pressa e exportação se nada foi absorvido?
Evoluir significa mudar. Quando estamos cansados é sinal de que agimos de acordo com o que acreditamos e queremos. Quando ficamos estressados é porque essas ações não fazem tanto sentido. Cansaço se cura com descanso, estresse, com mudanças. Esse deveria ser nosso parâmetro de evolução. Como diria o filósofo francês Sartre: “Nos animais, a essência precede a existência, já no Homem a existência precede a essência”. Exemplo disso é uma aranha, que já nasce sabendo como é ser uma aranha, o que e como fazer o trabalho dela; mesmo que façam teias impressionantes, são as mesmas a milhões de anos, já o Homem, conforme passam os anos, vem se desenvolvendo e aprendendo como Ser Humano, o que torna a vida mais interessante e curiosa. Não somos os mesmos de anos atrás! Quem determina essa evolução são nossas ações e passar ensinamentos, experiências, lições e exemplos nos trouxe até aqui.
Existe uma grande discussão a respeito do livro e filme “O Doador de Memórias”, que demorou mais de 20 anos para ser adaptado para o cinema pela complexidade da história. Traz a ideia de um mundo futuro utópico e perfeito aos olhos de uma falsa paz e justiça. Não há cores, mentiras e palavras como “amor” e “família”, que não são aceitas pois podem dar lugar a interpretações não objetivas. Todos se vestem igualmente, porém com muitos pontos que deveriam servir de exemplo para nosso sistema hoje, como o fato de que cada cidadão trabalha e se desenvolve por meio de suas habilidades observadas ao longo da vida, não só por dinheiro ou status (até porque no filme eles não têm essa referência), mas por aptidão e consciência de que aquele trabalho o torna uma pessoa melhor e constrói um lugar melhor, porém com um detalhe importante e crucial: foram retirados dos humanos o sentimento e as emoções, então existem maldades que de certa forma são inconscientes.
Contudo, não tira o fato de que quem teve a atitude agiu por escolha em alguma instância, partindo desse ponto e já fazendo uma analogia ao que na psicanálise chamamos de transferência, nesse mundo utópico existe o Doador e o Receptor de Memórias, isso se dá quando o jovem tem todas as habilidades nele ao 16 anos, ganha esse trabalho de conhecer a memória de seus antepassados, e quem transfere essas memórias são o doador que tem o intuito de treinar o receptor para ser o próximo doador, e nesse processo o jovem conhece o mundo de fato como ele é, tanto a bondade quanto a maldade, passa a ver o mundo colorido, se apaixona e quebra as regras pois percebe que sem emoção não há vida, e no final fica a grande reflexão de como o mundo deveria ser.
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Assim como o Doador e o Receptor, no filme, nós também somos, conscientemente ou inconscientemente, doadores e receptores em nossas vidas, no sentido da colocação de Sartre, na evolução e, é claro, em uma sessão psicanalítica, na qual é necessário existir a transferência, que seria quando o analisando transfere pequenas neuroses de um objeto para o analista, como a figura de um pai, de uma mãe, irmã, irmão, chefe, filho etc.
Foi segundo esse fenômeno que Freud percebeu quão importante e saudável para o tratamento era a percepção da transferência; positiva ou negativa, era uma forma de conexão direta com o paciente. Da posição de analista, fazer parte da dor e da angústia do outro naquele cenário facilita na hora de agir. Freud, quando questionado a respeito do faz a transferência, colocou de forma bem simples e até poética: “A transferência é amor, repetição, atualização da história dos nossos amores com nossos novos encontros”.