Quando eu era jovem, no antigo colegial, tive um professor de literatura que marcou a minha vida. O nome dele, em si, já era literário: Filadelfo. Um dia ele convidou a classe para assistir a uma palestra da Lygia Fagundes Telles na Fundação Santo André. Poucos foram. Eu era um deles.
A noite estava chuvosa e a Lygia se atrasou um bocado. A explicação que ela deu parecia um conto. Falou das ruas labirínticas e de como chegar até ali tinha sido uma aventura, fez isso de uma forma tão cativante que ninguém reclamou do atraso.
Eu já tinha inclinações literárias, mas depois daquela palestra, não tinha como não sonhar em ser um escritor.
Durante a adolescência, não me lembro de ter livros em casa. Minha mais remota memória de leitor eram uns livrinhos do catecismo, com trechos ilustrados da Bíblia. Ninguém lia em casa. Nem jornal, nem revista. Nada.
Ao começar a trabalhar em uma fábrica de papel (olha o destino me empurrando para os livros), comprei uns caixotes de feira e montei a minha estante. Comecei com uma coleção de livros do antigo Jornal da Tarde, chamada Grandes Sucessos. “Horizonte Perdido”, “O Colecionador”, “A Sangue Frio”, “O Dia do Chacal”, entre tantos outros.
Logo depois comecei a comprar os livrinhos da Editora Brasiliense, “Cantadas Literárias”, a frequentar a Livraria Cultura, no Conjunto Nacional, a frequentar cinemas e teatros. Passava horas lendo na minha mesa, apenas com a luminária acesa, com um rádio-relógio como companhia. Comprava caderninhos, cometia meus poemas. Estava enfeitiçado pela literatura.
Era improvável que eu me tornasse alguém ligado à arte. Em casa, minha mãe queria que eu fosse torneiro mecânico. Que fizesse o Senai. Tenho certeza de que ela pensava: “Ah, esse menino tem problemas, só fica enfiado no meio dos livros”.
Apesar da falta de recursos e da simplicidade que era a vida de um jovem de quinze, dezesseis anos, em um bairro da periferia de Santo André, eu me apaixonei pela escrita. O professor Filadelfo me deu o empurrão de que eu precisava para cair nesta vida de leitor. Dela nunca mais saí.
Mais tarde, fui para a faculdade. E escolhi uma profissão na qual eu pudesse trabalhar com a escrita. Era jornalismo ou publicidade. Escolhi a segunda opção. Hoje, mais de quarenta anos depois, continuo sendo aquele menino que vivia em um mundo paralelo, que sonhava com as histórias mágicas que saíam daqueles objetos de papel.
Você também pode gostar
Para mim, a leitura é uma viagem que não te leva apenas para outros lugares, como ilhas desertas, castelos medievais e planetas desconhecidos, mas vai além, fazendo-nos viver outras vidas. Alguém já disse — e se não disse, digo eu — que a gente escreve (e lê) quando a nossa vida não nos basta. É isso. A mágica é essa.
Os livros nos transportam em uma viagem no tempo e nos fazem sentir as emoções que uma vida comum não comporta. Viva a leitura!