Comportamento Saúde Mental

EPISÓDIO I DA SÉRIE: A conturbada relação de uma aranha e sua mosca

Mulher segurando espelho de mão e olhando para seu próprio reflexo
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Aprendendo a lidar com portadores do transtorno de personalidade narcisista

Um dos contatos mais complicados no plano dos relacionamentos é, sem sombra de dúvida, o estabelecido com pessoas manipuladoras, porque traz um “antes” difícil de ser evitado, um “durante” quase impossível de ser contido e um “depois” suficientemente desgastante para ser interrompido. Vamos tentar entender, uma a uma, essas dificuldades pela ótica da vítima de portadores de TPN, ou transtorno de personalidade narcisista que, a exemplo de uma mosca presa à teia de uma ardilosa e hábil aranha, não consegue se desvencilhar do ambiente pegajoso e potencialmente fatal em que foi envolvida, acabando à mercê de seu algoz que lhe suga tudo o que traz por dentro, deixando ao fim apenas uma casca vazia que passa a impressão de que sua vítima segue incólume e perfeita, como era antes de cair em suas garras:

Na primeira tentativa de se aproximar da vítima, o manipulador já tem muito claro pra si o que deseja, conseguindo vislumbrar, logo nos primeiros contatos, tudo o que poderá obter de vantagem ao atrair aquela “mosca” para sua teia, motivo pelo qual não economizará nenhuma oportunidade de aproximação ou qualquer tipo de ardil e artimanha de que possa lançar mão para conseguir seu intento. Pessoas manipuladoras sempre se aproximam de suas vítimas cercadas de uma aura enorme de encantamento, que usam de forma magistral e irresistível para aniquilar por completo qualquer chance de defesa delas. Assim, desde o primeiro momento, lançam-se com todo seu talento e ardor à construção de sua armadilha de sedução, de modo a não dar qualquer chance à vítima de se manter indiferente a ela.

Não existe nada mais verdadeiro para o manipulador do que o velho ditado de que “a primeira impressão é a que fica”, e ele não poupará nenhuma de suas fichas nessa etapa da primeira abordagem. Não tenha a menor dúvida de que ele não economizará tempo nem recursos para promover uma impactante e inesquecível impressão desde os primeiros instantes de contato – e principalmente nestes – pois conhece o poder pegadiço e incontido de sua teia para envolver a vítima rapidamente e retirar dela todas as chances de se desvencilhar. Para isso, não economizará tempo nem gastos para exibir seus “predicados”, já que vê nisso um investimento que trará todo o retorno que já tem bem planejado em sua mente. E quando a percebe totalmente imobilizada e submetida ao seu poder de sedução, lança sobre ela o viscoso e último recurso de aprisionamento até se sentir no controle, e a partir daí começará a fase de domínio a longo prazo.

A intensidade do esforço de sedução lançado sobre a vítima da vez, no entanto, traz consigo um componente que atua como importante efeito colateral: a gradativa imobilidade da vítima na teia e a sorrateira aproximação da aranha ficam perceptíveis para os que a cercam, e essa visibilidade pode se apresentar como ameaça, aos olhos do manipulador, para que concretize seu intento. Via de regra, porém, ele não o percebe, já que os dois protagonistas ficam mutuamente concentrados no seu objeto de desejo a ponto de, praticamente, perderem contato com o que se passa à volta deles. Para o observador mais atento, no entanto, esse momento não passará despercebido, quando poderá assimilar de forma clara o desenrolar das rápidas fases da manobra de abordagem por parte de um e de entrega sem resistência pelo outro.

Apesar de se mostrar praticamente impossível para os de fora não percebê-lo, não pense que poderão fazer muita coisa a respeito, pois nesse ponto a vítima em questão já estará tão hipnotizada pelo poder de envolvimento da “aranha” que seria necessário existir um forte vínculo de confiança entre vítima e observador para que ele conseguisse alertá-la do risco que corre, antes que a sedução atinja seu estágio irreversível. E acredite: este ponto chega muito, mas muito rapidamente, pois a “aranha” tem recursos para minar de forma arrasadora e quase instantânea qualquer esforço de resistência de sua “mosca”, depois que ela já estiver envolvida em sua teia.

Teia de aranha em galhos de árvore
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Por que esse quesito do vínculo de confiança? Simplesmente porque o que se estabelece em paralelo entre a “aranha” e a “mosca” revela um potente efeito hipnótico sobre a vítima, como se lhe estivesse sendo inoculado um veneno que rapidamente a percorre inteira por dentro, anestesiando-a de tal forma que rapidamente inviabiliza sua capacidade de reação. A inoculação desse “veneno” em sua vítima exerce sobre ela um real e verdadeiro efeito paralisante, a ponto de tornar inútil qualquer tentativa de interrompê-lo. E quando o atento observador se dispõe a fazê-lo, não é raro que traga para si um enorme problema, já que a “mosca” se voltará contra ele e o acusará de interferir no seu direito de escolher o que a torna feliz.

Quando lança sua baba sobre a mosca para aprisioná-la por meio do seu poder de sedução, ninguém consegue ser mais persuasivo e encantador do que o manipulador, quando o limite do que cria para atingir seu objetivo é tudo que sua imaginação consegue produzir. Será capaz de contar as mais deslavadas mentiras sobre si mesmo de modo a impressionar sua vítima, com impressionante habilidade de convencimento, mesmo que elas se mostrem tão frágeis e inverossímeis que em pouco tempo comecem a desmoronar, todas ao mesmo tempo, como um castelo de cartas.

Esta talvez seja uma das maiores vulnerabilidades do manipulador durante o momento da sedução, pois que o desejo quase insano de conseguir seu intento a qualquer preço faz com que atinja tal patamar de exagero em suas mentiras que qualquer pessoa, no pleno exercício do juízo, jamais poderia ser convencida de que aquilo fosse real. Ele aposta, no entanto, num poderosíssimo aliado para fazer com que a “mosca da vez” acredite cegamente em todas as fantasias contadas, por mais absurdas e inverossímeis que se mostrem: o seu incrível talento para despertar uma espécie de “paixão cega” em sua vítima, que literalmente ignora toda e qualquer inconsistência daquilo que ele apresenta como sendo realidade.

Ao contrário do que possa parecer, tal fenômeno é bastante comum nesses estados de fascínio que algumas pessoas se especializam em despertar, o que acaba bastante facilitado pela própria vítima, já que está firmemente propensa a acreditar em tudo o que lhe seja dito simplesmente porque QUER, com todas as suas forças, que o castelo que está sendo levantado se revele concreto e resistente a todo e qualquer tipo de fragilidade. Isto fica ainda mais fácil de entender porque o manipulador não costuma escolher suas vítimas ao acaso: ele vai se aproximar sempre de alguém que possua algo que ele deseja ou que lhe garanta livre acesso a ele, e também que, de alguma forma, revele algum tipo de vulnerabilidade de que possa se aproveitar para estreitar seus “laços”. Pode ser uma mulher mais velha e carente, uma pessoa insegura precisando de atenção e cuidados, alguém com certo padrão de vida que deseja para si ou até ao perceber bens dos quais possa se apropriar de alguma forma, de maneira progressiva e definitiva.

Mulher sentada com as mãos cobrindo o rosto, em expressão de cansaço
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Eventualmente pode acontecer de a “mosca” acabar escapando do assédio da “aranha” ao se descobrir “flagrada” em sua fragilidade emocional por um observador externo. Mas não alimente dúvidas de que o vínculo existente entre eles sofra uma ruptura por causa disso ou que, caso ocorra, esse observador não enfrente o risco de ser acusado pela vítima de tê-la impedido de “viver a experiência mais bonita ou significativa de sua vida” por ingerência dele. Isso é muito mais comum do que se pensa, que, por tentar alertar uma pessoa de suas relações, acabe no papel de “destruidor de sonhos”, acusado de se meter onde não foi chamado ou até de ver sua preocupação confundida com “despeito” com relação à “aranha” sedutora. Isso acontece com muita frequência, por isso é preciso preciso conhecer muito bem a “mosca” e estar seguro de que ela também nos conheça o bastante para não correr o risco de a amizade e o respeito mútuo enveredarem por um caminho sem volta.

Não acredite, porém, que o manipulador também não tenha mecanismos para impedir que a fase tão decisiva do “lançamento da rede” acabe frustrada pela interferência dos que já conhecem suas manobras e tentem impedi-las antes do “ponto de irreversibilidade”. Neste aspecto, ele se apresenta como um ilusionista de extrema habilidade, que sabe tirar enorme proveito do “efeito surpresa”, o que não lhe é nada difícil, pois que sua vida é cheia de “buracos negros”, então ninguém sabe exatamente o que faz nem em quê se mete. Ele sai de casa como se fosse um dia normal de sua rotina e pode voltar com uma enorme surpresa, tipo um casamento arranjado às pressas ou o anúncio de uma mudança brusca de vida da noite para o dia. O motivo? É parte da estratégia para que ninguém atrapalhe seus planos antes de vê-lo concretizado, quando então nada mais poderá ser feito para impedi-lo. Isso inclui o próprio momento da vítima, que ele percebe e assume para si a mote de que pode não haver um segundo momento tão propício quanto aquele, requerendo partir logo para a ação.

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Isso vale até para aqueles golpes que só são descobertos depois de perpetrados, como desvios de dinheiro de contas a que consiga acesso para atender o propósito do momento. Não duvide: questões de natureza moral – como honestidade e ética – não passam nem perto do cardápio de nossa “aranha” quando ela traça o objetivo que precisa ser atingido e começa a tecer sua teia já pensando na próxima vítima. Também é verdadeiro que não vai demonstrar nenhum arrependimento ou sentimento de culpa depois que tudo for descoberto, principalmente se conseguir outra pessoa sobre a qual possa jogar a culpa. Assim, quem convive com uma “aranha” em casa tem que estar sempre preparado para uma existência recheada de “emoções” e sujeita a uma sequência interminável de sobressaltos, já que sua disposição para ir atrás de tudo o que deseja – como também remover qualquer tipo de obstáculo que lhe surja pelo caminho – é inequívoca e incontestavelmente inesgotável!

Acompanhe a série:

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Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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