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Inventando Anna: Anna Sorokin e a sociedade do status

A atriz Julia Garner performando a personagem principal da série Inventando Anna.
Reprodução / Netflix
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Desde o período elisabetano vivemos dentro em uma sociedade em que a aparência é o que importa. O que você é de fato não é tão interessante, porque o que interessa é quem você aparenta ser. E aparentar ser não tem sido algo tão desafiador assim. Com a ascensão das redes sociais, ficou muito mais fácil fingir uma vida que você não tem. É de acordo com essa ideia que surge uma personagem que usa e abusa de aparentar ser o que não é: Anna Vadimovna Sorokina. A série “Inventando Anna” é uma produção original da Netflix baseada em uma história real.

Em 1991, Anna nasceu na Rússia, foi para a Alemanha aos 16 anos de idade e, aos 21, direto para Paris. Mas foi em Nova York que a jovem começou com seus golpes, dizendo que era herdeira de uma poderosa e rica família alemã. Todos acreditam nela, por sua maneira de se comportar e por ela confiar tanto em sua própria história. Além disso, havia um fator importantíssimo nessa história: privilégio branco. O que será que fez a Anna conseguir se incluir em tantos ciclos sociais mesmo não estando naquele nível social? É preciso falar sobre isso.

Quem é Anna Sorokin?

Nascida em Moscou, Anna passou pela Alemanha, por Paris e permaneceu em Nova York. Foi em Paris que ela adotou o nome Anna Delvey. Seu modo operante era fingir ser uma herdeira alemã, filha de um pai extremamente rico, mas na verdade seu pai era um motorista de caminhão e sua mãe tinha uma loja de conveniência.

A real Anna Sorokin. Ao lado dela, policiais.
Reprodução / Timothy A Clary / AFP – Agence France Presse

Foi a sua chegada a Nova York que virou o jogo, pois ela começou a espalhar pelos seus ciclos sociais que tinha um fundo fiduciário de mais ou menos 82 milhões de dólares. Com isso, Anna começou a andar ao lado da mais alta sociedade de Nova York, estava sempre incluída nesses meios e as pessoas acreditavam nela, pois ela sabia como se comportar naquele contexto e tinha uma imagem que enganava as pessoas.

Foi na cidade de Nova York que Anna aplicou vários golpes em financiadoras, bancos, pessoas, hotéis… Ela conseguia tudo de graça só com o argumento de que pagaria assim que o pai liberasse o dinheiro. Sempre tinha uma desculpa para a ausência de dinheiro no momento, e as pessoas, acreditando na veracidade de quem ela era, pagavam. Mas ela não conseguiu concretizar seus planos e, em 2019, foi presa e condenada. Sua condenação inclui furto de propriedade, roubo de serviços e roubo qualificado.

Anna foi presa com sentença de 4 até 12 anos e mais uma multa de 223 mil dólares. Ela ainda chegou a ser liberada da custódia para ser deportada à Alemanha, mas se recusou a ir e precisou continuar presa. Porém ela não ficou com as mãos abanando: a Netflix pagou a quantia de 320 mil dólares para a Anna autorizar a produção da série.

“Inventando Anna”, a série que retratou essa história

Em 11 de fevereiro de 2022 chegou à Netflix a série “Inventando Anna”. Assinada pela aclamada Shonda Rhimes, conta com nove episódios que se desdobram em torno de todas as peripécias que a protagonista aprontou. A Anna é interpretada por Julia Delph e a personagem é composta com um conceito meio anti-heroína. Suas ações são misturadas com o seu passado, talvez procurando respostas ou talvez para justificar suas falcatruas — ou, quem sabe, um pouco dessas duas coisas.

À esquerda, uma mulher que representa Anna Sorokin. À direita, um celular que exibe uma imagem. Esta, por sua vez, tem a frase "Inventing Anna" e, ao fundo, uma fotografia de uma mulher que representa Anna.
David Esser / Shutterstock

A série, que chegou ao top 10 na lista dos mais vistos da Netflix no Brasil, é contada por meio da personagem Vivian Kent (Anna Chlumsky), que é uma jornalista que decide fazer uma reportagem sobre a falsa herdeira alemã, e isso é algo que aconteceu na vida real, pois a série é inspirada na reportagem da jornalista Jéssica Pressler sobre a Anna Sorokin.

A reportagem chama-se “How Anna Delvey Tricked New York’s Party People” ou, em tradução livre, “Como Anna Delvey enganou socialites em Nova York”. Outra personagem que ganhou notoriedade é Rachel Williams, que na série também se chama Rachel. Na vida real, Rachel foi amiga de Anna, levou um golpe de 60 mil dólares e nunca recebeu esse dinheiro. Anna foi inocentada dessa acusação, o que a deixou revoltada quando a série saiu, então a vítima publicou um livro sobre o assunto e se posicionou contra a perspectiva da série e do dinheiro que Anna recebeu por ela.

É interessante assistir à série para compreender como a dramaturgia pode criar uma perspectiva sobre toda uma situação, como um discurso pode ser inserido por meio do enredo e como é possível ler a sociedade dentro de uma série que aparentemente é só mais uma história. “Inventando Anna” é uma série que fala sobre todos nós.

A sociedade do status

É interessante analisar como a Anna conseguiu estar dentro de ciclos sociais de uma elite inacessível, uma elite que preza bens materiais e o nome que você tem. Anna nunca teve um sobrenome que chamasse atenção, mas ela sabia exatamente o que fazer e o que dizer para agradar a essas pessoas e conseguir a aprovação que fazia ela permanecer ali.

Isso acontece porque culturalmente a elite quer sempre mostrar que possui os melhores carros, as melhores marcas e que frequenta os melhores lugares. Essa presença é o que basta para que a aceitação aconteça. Essa sociedade do status é facilmente enganada por uma pessoa como Anna, que cumpre o requisito de um padrão estético que é socialmente aceito, então ela soube aproveitar esse privilégio.

Sua conta no Instagram era uma vitrine perfeita da vida de uma suposta herdeira que estava ostentando sua fortuna, então era crível. Ela nunca foi questionada sobre ser quem é, foi automaticamente aceita por uma sociedade que escolhe seus favoritos e está mais preocupada com o exterior do que com o que se é de verdade. Não é sobre ser, é absolutamente sobre parecer. O dinheiro era só mais um fator nessa história, era o que menos importava. É possível perceber na série como existe um movimento em prol de uma vida ideal, de uma vida luxuosa — e como existe um padrão de comportamento também ideal para fazer parte desse ciclo.

Racismo e imigração

Anna é uma mulher branca que esteticamente dialoga com o ideal de beleza americano. Esse é um fator essencial para entender como ela conseguiu tudo o que conquistou, como ela conseguiu relevância, credibilidade e a confiança dos que apostaram nela.

Esse caso é um exemplo perfeito de como o privilégio branco acontece na sociedade, pois uma pessoa negra que fosse genuinamente herdeira de um pai magnata teria que passar toda a vida sendo questionada, e as pessoas não acreditariam na sua palavra. Já no caso da Anna, ela não precisou provar nada para ninguém. Seu status era inquestionável.

Ao fundo, pequenos bonecos "stickers" de papel que são brancos. Em primeiro plano ou plano inferior, um boneco também "sticker", mas pintado de preto.
Liia Galimzianova de Getty Images / Canva

Existe uma camada ainda mais profunda: Anna sofreu muito bullying por ser estrangeira. Essa xenofobia não é incomum e causa severos danos à vida de uma pessoa. Os Estados Unidos são um país que têm uma relação complexa com a imigração e que historicamente discute a legitimidade da permanência de estrangeiros no país.

Essa camada é uma das maiores motivações da Anna: muito mais importante que ter dinheiro era ser respeitada, vista como uma igual e se sentir pertencente ao lugar. Essa vontade de pertencimento foi o que impulsionou suas ações, assim como a vontade de não ser renegada pela sua identidade.

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Todos sofremos por causa dessa pressão social do que devemos ser e de como devemos nos comportar, mas é importante sempre estar atento aos estímulos certos. Você não é aquilo que você compra. Você não pode ser refém de uma ideia que está longe das suas possibilidades. A vida é muito mais do que só aparentar ser algo. A vida é existir tirando o melhor de quem você é com honestidade e afeto.

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