“O silêncio ao qual me refiro é parte da natureza, está presente em toda a natureza… O ser humano perdeu a conexão com este espaço, pois deixou sua natureza para tornar-se um ser artificial, de plástico. Silêncio é uma qualidade da meditação.”
Siddhartha Gautama
Você já reparou que há pessoas que falam, falam e não escutam? Você tenta manifestar sua opinião em relação a algo e não consegue que elas te escutem. Algumas vezes, você começa a expressar a sua opinião, mas elas te interrompem, ininterruptamente, a ponto de ser necessário dizer-lhes: “Por favor, me escuta, me deixa falar!”. Outras vezes, você externa seu pensamento, mas percebe, claramente, que não estão te escutando. “Olá, você está me escutando?”.
Há também algumas pessoas que aparentam estar te ouvindo, mas, na verdade, estão preparando uma argumentação contrária à sua, com o único propósito de fazer prevalecer o seu ponto de vista. Há, ainda, situações em que elas deturpam totalmente o que você acaba de falar porque não conseguem acompanhar um determinado raciocínio que você faz.
Você já percebeu isso, meu caro leitor? Eu vivi muitas situações como essas, na minha vida pessoal e profissional. É muito desgastante você tentar dialogar com alguém ou participar de uma discussão, se todos falam ao mesmo tempo. Nessas situações, tento usar o recurso do silêncio, o que exige muita paciência de minha parte. Fico calada, observando o espetáculo dos “egos” falantes, a alteração dos timbres das vozes, os gestos e expressões que acompanham as diferentes falas. Tenho a impressão de que ouço um coral de gralhas!
Por que as pessoas não sabem ouvir? Tenho me interrogado constantemente sobre isso. Em algumas situações, penso que se trata de falta de educação mesmo. Mas, na maioria delas, percebo que é uma espécie de compulsão. Parece que as pessoas não têm qualquer preocupação se estão sendo ouvidas ou não. Falam para si mesmas. E como falam alto! A impressão que tenho é que querem apenas fazer barulho! Muito barulho! Muitas delas sentiram falta do barulho produzido pela convivência social, no período da pandemia. Chegaram mesmo a adoecer! Você acha que exagero? Pois eu te convido a observar um pouco mais o comportamento das pessoas nos lugares que você costuma frequentar.
Em 1994, assisti à peça teatral “Mary Stuart”, encenada por Denise Stoklos, escritora, dramaturga e atriz brasileira, no Teatro Popular do Sesi. Essa peça compõe um estilo teatral criado pela artista, o qual ela denominou de Teatro Essencial. Relata a história da luta pelo poder travada entre Elizabeth, rainha da Inglaterra, e Mary Stuart, rainha da Escócia, no século XVI. Fiquei impressionada com o desempenho da atriz que, sozinha, num palco sem cenário, sem figurino, narrava toda a história usando apenas mímicas e voz. Acredito que todos que ali se encontravam e assistiam, atenta e silenciosamente, ao espetáculo, perceberam a situação tensa e conflituosa em que as personagens se envolveram no embate pela legitimidade à sucessão do rei Henrique VIII, rei da Inglaterra. Naquele momento, as palavras eram absolutamente desnecessárias.
Na década de 2010, fiz uma viagem a Praga, capital da República Checa, e fui conhecer o Teatro Negro, que surgiu em 1949, durante o regime comunista, como uma arte de expressar ideias, sentimentos, opiniões, num contexto totalitário e repressivo. O espetáculo a que assisti foi encenado num palco totalmente escuro, onde os atores, vestidos de preto com luvas brancas, representavam por meio de mímicas, em referência ao regime político que, então, cerceava a liberdade de expressão. Fiquei deslumbrada e muda.
Narro aqui esses fatos não só porque eles foram experiências muito significativas para mim, mas também para ressaltar a importância de abrirmos espaço para o silêncio em nossas vidas. Algumas vezes, perdemos a oportunidade de ficarmos calados. Falamos sem pensar e, por isso, espalhamos boatos, injúrias, faltamos com o respeito às pessoas, somos inconvenientes. Outras vezes, sufocamos alguém próximo a nós com sermões intermináveis ou queixas excessivas. Não sabemos perscrutar o sentido de um gesto, de uma expressão facial que, algumas vezes, nos dizem muito mais do que as palavras.
“O corpo fala sem palavras. Pela linguagem do corpo, você diz muitas coisas aos outros, e eles têm muitas coisas a dizer a você”, afirmam Pierre Weil e Roland Tompakow, no livro de autoria de ambos, intitulado “O Corpo Fala”. Um livro interessantíssimo, cuja leitura recomendo a todas as pessoas, de modo especial aos educadores.
Não é apenas o corpo que fala. A natureza também nos fala de um modo muito peculiar. Basta que saibamos escutá-la. Aliás, precisamos aprender a escutar em todas as circunstâncias de nossa vida: escutar a voz que vem do coração, a voz que pede o perdão, a voz que clama por justiça, a voz da consciência, a voz da razão, a voz de Deus.
Você também pode gostar
“Escuta, e serás sábio. O começo da sabedoria é o silêncio”, nos diz Pitágoras. Não posso deixar de concordar plenamente com ele. E ainda me atrevo a acrescentar: o silêncio é a condição “sine qua non” do diálogo. E, sem o diálogo, não há sabedoria.