Sentada na cadeira, fralda branca no colo, uma pá de carda em cada mão, penteia e separa a lã em pequenos montes nuvados. Uma a uma, as pequenas nuvens de lã vão se amontoando ao lado, sobre outro tecido alvejado, prontas para serem torcidas, para girarem na roda viva do fuso. Há uma escuta. Um ouvir a lã e a carda. A intensidade do gesto depende desse ouvir. Ele regula a ação, ampliando o sentido do fazer. Há uma escuta. Ela é mais que ouvir. O ouvido ativo promove o gesto. Gesto da mão, do braço, ações de superfície, visíveis, reguladas pelo invisível da escuta. A fralda suja de ciscos. Pedaços de mato, carrapichos, espinhos, estrume. A fralda branca tingida de escuros. A lã compacta, abrindo-se ao ar e à luz, ganha volume e leveza. O corpo continua a gesticular, a ouvir, a regular a força da ação, sentidos abertos ao material, ao ruído da carda, à textura e densidade da lã.
A fibra bruta se solta da carda, voo leve de nuvem até o monte cardado. Há um silêncio. Uma calma na superfície do gesto. A continuidade desse gesto, sua repetição, invoca o silêncio. Ele regulariza a ação, ampliando o sentido do fazer repetido. Há um silêncio. Ele é mais do que não barulho. A cardação continua. O monte de lã aumenta. Logo chegará o fio. Há uma voz. A voz do fio regula o gesto da carda.
Você também pode gostar
A voz inaudível e invisível. A voz imaterial, futural, amplia o sentido da nuvem de lã. Há uma voz. Ela é mais do que fala. No corpo, os gestos agenciados no fluxo da cardação, sentidos atentos e abertos ampliam o fazer. Há uma escuta. Há um silêncio. Há uma fala. Gestos na superfície invisível da fiação. Gestos que se repetem no devir do fio. Fio futural. Fio não presente, feito da nuvem de lã. Feito no cisco do não fio, no ruído da carda que move e penteia preenchendo de ar e luz a lã.