Comportamento Psicologia

Episódio X – A conturbada relação de uma aranha e sua mosca: aprendendo a lidar com portadores do Transtorno de Personalidade Narcisista

Um homem olhando-se num espelho que o reflete em tamanho maior.
Elnur / Shutterstock

Narcisistas se incluem entre indivíduos de uma categoria conhecida como de “pessoas virais”, devido a se movimentarem em torno de ações nocivas que tanto as preenchem com emoções negativas quanto contaminam as demais com quem mantêm contato. Costumam colocar quem as conhece, portanto, em postura de permanente autodefesa, não apenas para evitar ser vítima de suas “manobras” como também para proteger o emocional, exposto a toda sorte de “intempéries” pelos resultados percebidos nos ambientes em que atuam.

Conviver, então, com a toxidade dessas pessoas interfere até mesmo na forma como passamos a olhar o mundo a partir de como se comportam, ou pelas frases desagradáveis que somos obrigados a escutar numa simples conversa do dia a dia, pois estão sempre depreciando pessoas ausentes ou reclamando do que experimentam naquele exato momento. Não é difícil entender, portanto, a reação interna de não atender ao telefone, tendo no mostrador do celular o nome de quem esteve ligando, pelo sentimento de que, da conversa, com certeza, não vai sair nada de bom. Ao final de cada contato com tais pessoas, quase que invariavelmente nos fazemos aquela clássica pergunta: “Será que eu precisava estar aqui ouvindo esse tipo de coisa?”.

Então, fica claro por que narcisistas costumam ser incluídas no rol das “pessoas virais” que precisamos evitar, caso queiramos preservar nossa paz interna, já que se precisa de muita resiliência para conviver com elas sem que acabemos afetados de alguma forma, pois se comportam exatamente como um vírus que entra no organismo, se espalha rapidamente, para, em seguida, começar a nos fazer mal. E ainda que façamos uso do remédio que poderá debelá-lo, é certo que, por algum tempo, ainda sentiremos seus efeitos.

À esquerda, um homem sentado. À direita e à frente, uma mulher debruçando a sua cabeça sobre o seu braço direito.
fizkes de Getty Images / Canva

As causas para uma pessoa ser portadora do Transtorno da Personalidade Narcisista ainda não estão bem elucidadas pela ciência que se ocupa com a saúde mental. O consenso entre especialistas é de que resulte de fatores associados à genética, ao meio social ou à neurobiologia, ou até de uma combinação desses três elementos. Os defensores da tese da genética acreditam que o TPN passe de pais para filhos por conta de algumas características hereditárias. Outros sustentam que uma predisposição congênita poderia ser agravada ou não pelo meio social, a partir de desencontros nas relações da infância, como excesso de críticas ou dedicação exagerada dos responsáveis diretos. Esses opostos poderiam tanto ser causa de uma criança com necessidade de provar sua capacidade ao mundo quanto de uma que não desenvolva os mecanismos que normalmente impedem as pessoas de fazer tudo o que desejam.

Já um terceiro grupo de pesquisadores — o dos que atribuem sua origem à neurobiologia — enxerga um distúrbio de natureza comportamental oriundo do próprio indivíduo, em quem um temperamento propenso a desafiar o “status quo” forje uma visão de mundo distorcida, que propicie um sentimento de prazer em ambientes conturbados e tensos. Tratar-se-ia de uma espécie de autoproteção contra traumas e medos ocorridos na infância, que o narcisista não desejaria vivenciar em nível consciente.

Como qualquer distúrbio mental, é muito difícil a um observador externo precisar se há uma causa desvinculada do processo de escolhas que todos desenvolvemos. Fica mais fácil atribuir o comportamento antissocial a problemas de natureza cognitiva (o indivíduo desconhece as regras), morais (o indivíduo deliberadamente desafia as regras) ou emocionais (decorrente de sentimentos como egoísmo, inveja, agressividade, irresponsabilidade, falta de empatia ou respeito ao outro) que dificultam o convívio.

Narcisistas, como sabemos, são pessoas que rotineiramente introduzem o vitimismo em seus relacionamentos, notadamente em situações de conflito. Classificados como “virais passivos”, o perfil envolve pessoas que atribuem a culpa de todo o mal que lhes acontece aos que estão à volta, eximindo-se de qualquer responsabilidade pelos resultados que colhem ou pelas circunstâncias que lhes deram origem. Dessa forma, desenvolvem um talento especial para fazer com que os mais próximos se sintam culpados pelas vicissitudes que elas enfrentam.

Vendo outros em situação melhor que a delas, são habilidosas em fazer com que nos sintamos péssimos por desfrutar do que elas não têm. Sentindo-se injustiçadas pela vida e mais merecedoras que todos, compensam tal sentimento de inferioridade tentando provar que sempre “dão a volta por cima”, tornando-se extremamente possessivas com tudo o que introduzem em suas vidas — sejam coisas ou pessoas — já que incapazes de distinguir uma coisa da outra. Ambas são vistas como “posses” e nada mais, senão pelo fato de uma poder reagir e a outra não.

Como é fácil de se constatar, narcisistas são soberbos, e daí o nome dado ao distúrbio. Até os favores que eles desejam obter dos outros nunca são explícitos, vindo sempre disfarçados sob um véu de “concessão” dada a seus benfeitores, como se quisessem lhes dar a chance de se sentirem melhores por sua generosidade. Em outras palavras, quem presta o favor são sempre eles, não quem os ajuda, pois nunca estão atentos às necessidades dos outros se não para criar mais um “devedor” no seu habitual esquema do “toma lá, dá cá”.

Um homem maior, à direita, pisoteando um homem menor, à esquerda.
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Como não mantêm relações bidirecionais, tiram o que podem dos outros sem esperar pela concordância dos seus legítimos donos. São egoístas e egocêntricos e, no momento em que suas necessidades deixam de ser satisfeitas, a vítima vira alvo de ataques, críticas e chantagem emocional. O convívio com o narcisista, portanto, provoca nas pessoas uma sensação constante de estarem sendo abusadas, e terão que se acostumar com a ideia, caso não desejem viver num permanente “estado de guerra”.

Pode-se dizer que só existem duas coisas que ocupam de forma ininterrupta o pensamento do narcisista: o que ele deseja e o que os outros possuem para atender seus desejos. Tirando-se isso, não lhe resta nada mais com que se ocupar, não sendo possível encontrar, em suas mentes, conteúdo maior do que o necessário para atender suas próprias necessidades. Ninguém o verá fazendo referências autênticas sobre as qualidades de alguém, notadamente aquelas que digam respeito a valores pessoais, capacidade de realização e competência, já que o crescimento alheio é algo que o incomoda terrivelmente.

A razão para isso é que sua estrutura mental é a de um parasita que se alimenta do que pode extrair de quantos se coloquem ao seu alcance. Daí se constatar sua inércia diante de qualquer objetivo que exija esforço pessoal e persistência para alguma realização, ou de projetos que demandem longo período para serem alcançados. Todos os objetivos dele revelam características de alcance instantâneo, que não cobrem tempo nem empenho para serem atingidos a curto prazo. Isso se deve ao fato de não buscarem as coisas pelo valor que representam, mas pelas vantagens que possam obter ao ostentá-las. Uma boa descrição para tal postura é a da pessoa que, não possuindo disposição nem talento para se tornar um bom nadador ou investir no tempo requerido para se tornar um, compra medalhas nas quais grava “vitórias” em torneios que nunca disputou, apenas para exibi-las aos outros.

Trazido à prática do dia a dia, o narcisista é aquele tipo de pessoa que pula de um projeto ao outro sem terminar nenhum. Se dá início a uma formação, por exemplo, tratará de contar a todo mundo sobre o curso que está fazendo, mas, em pouquíssimo tempo, o assunto vai morrer sem que ninguém saiba o porquê, e é isso que dará ciência aos demais que, como tudo em que ele já se meteu, esse também não foi para a frente.

Pode-se concluir, então, que a vida do narcisista é uma sucessão interminável de “sucessos” meteóricos seguidos de fracassos retumbantes. Ele surge, de tempos em tempos, com revelações surpreendentes de “realizações” surgidas do nada, mas que logo depois “saem de cena”, de forma incompreensível às pessoas para quem ele as alardeou no início, e elas só irão conhecer os motivos por outras pessoas que, por acaso, tomaram ciência do ocorrido.

Uma mulher apontando para si mesma.
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Quase que sistematicamente, tanto a ascensão quanto a queda do narcisista se devem a uma característica marcante de sua personalidade: a “sede com que vai ao pote”, na tentativa de extrair dele tudo o que possa, e no prazo mais curto que consiga. Isso faz com que atropele a si mesmo e “meta os pés pelas mãos”, pela rapidez com que vai tomando posse de tudo a que tenha acesso na nova posição, impactando os que lhe estão próximos. Assustado com o rápido crescimento da cobra que alimentou, é possível entender a brusca derrocada que se segue à meteórica ascensão.

O mais surpreendente também, às pessoas que o rodeiam, é a “cortina de fumaça” que o narcisista lança sobre os acontecimentos todos, forjando um clima de “absoluta normalidade” para tudo o que ocorreu entre a ascensão e a queda, nesse curto período de sua trajetória, pois que, por ele, ninguém ouvirá uma única palavra a respeito, e, também, de nada se saberia, não fosse chegar pela boca dos que o testemunharam, algum tempo depois. E, com certeza, esse seria o fator na vida do narcisista que mais atuaria na proteção das futuras vítimas, pois ele vai deixando, atrás de si, uma lista enorme de sucessos e fracassos que se sucedem interminavelmente.

Mas como tudo tem um “senão”, os verbos colocados no pretérito se devem ao fato de que as novas “moscas”, de forma invariável, jamais se preocupam em conhecer antes a trajetória de sua “aranha favorita”, encantadas que ficam pelas suas manobras de sedução. E não se espere que o papel de alertá-las seja assumido por pessoas próximas à “aranha”: conhecedoras que são de como tudo acontece, sabem, por antecedência, que estarão se metendo numa enorme enrascada, tanto pela ira provocada na aranha quanto pela frustração da mosca, que as acusará de “se meterem onde não foram chamadas” por inveja, despeito, ou até para impedi-la de viver o tão acalentado sonho do “príncipe encantado” com que o narcisista lhe acenou.

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Não é difícil entender então o porquê de a personalidade corrosiva do narcisista encontrar todas as portas abertas para novas tentativas de seduzir suas vítimas, independentemente de quantas portas fechadas tenha deixado atrás de si: isso se deve ao seu enorme poder para fazer com que suas “moscas” não ouçam nada que elas já se encontram predispostas a não acreditar, no momento em que colocam os pés na teia da sua oportunista e astuciosa “aranha”.

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Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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