Por que temos tanta pressa em nossa vida cotidiana? Tamanha pressa nos faz invadir o sinal, buzinar atrás do carro que anda mais devagar e ultrapassar em alta velocidade, com muita imprudência, todos os carros que rodam à nossa frente na estrada. A mesma pressa que nos faz furar a fila, que nos impede de sentar à mesa para tomar café, almoçar ou jantar com nossos familiares.
A música “Sinal Fechado”, de autoria de Paulinho da Viola, aborda de forma criativa o cotidiano das pessoas que habitam os grandes centros urbanos.
“Olá, como vai?
Eu vou indo, e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo, em busca
De um sono tranquilo, quem sabe
Quanto tempo, pois é, quanto tempo
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Qual, não tem de quê
Eu também só ando a cem”
A vida agitada não permite uma pausa para um encontro ou um reencontro. Não podemos perder tempo porque tempo é ouro. É a alma de nossos negócios. Esse comportamento caracteriza, essencialmente, a sociedade industrial e pós-industrial, fruto do desenvolvimento científico e tecnológico. O progresso, o desenvolvimento econômico e a força do capital transformaram as pessoas em seres autômatos, que competem entre si para garantir um lugar no futuro.
O que representa esse futuro para nós? Sucesso profissional, enriquecimento? Qual o nosso sonho de consumo? Um carro possante, uma casa num condomínio de luxo, a aquisição dos mais variados bens materiais que nos permitam ascender socialmente e garantir nosso status social? Você poderá me responder: por que não? Afinal essa é a lógica do neoliberalismo, principal sistema econômico da atualidade, que preconiza a individualização do comportamento, sobretudo no campo profissional, com o aporte da visão empreendedora.
Assim sendo, a figura de um indivíduo bem-sucedido representa a competência profissional adquirida com seu esforço pessoal e com alto grau de excelência, o que lhe possibilita conquistar um espaço privilegiado no mercado de trabalho. As escolas fazem parte dessa trama do sucesso pleno, realizando provas e mais provas, estimulando a competição desenfreada pelas notas máximas com vistas a garantir os primeiros lugares nos exames nacionais para, com isso, alcançarem lugar de destaque no ranking das avaliações. Os pais compõem esse cenário, exigindo o cumprimento das volumosas tarefas de casa, contratando professores particulares e cobrando os resultados das avaliações. Aliás, nesse contexto, o que conta é avaliação somativa, que enfatiza o aspecto quantitativo, demonstrado pelas notas obtidas pelos alunos. O foco não está, portanto, nas evidências de aprendizagem e no que elas representam do ponto de vista da formação educacional, cultural e social do aluno.
Ao refletirmos sobre o fenômeno da pressa no mundo atual, é possível compreender melhor o que George Gusdorf, eminente filósofo francês, denominou de “Agonia da Nossa Civilização”. Abandonamos o caminho do Ser e nos perdemos no caminho do Ter, ou seja, não buscamos os fins mais importantes da nossa existência e nos contentamos com a posse de bens materiais que nem sempre promovem a nossa realização enquanto pessoas humanas. Corremos para cima e para baixo, mas não sabemos onde queremos chegar. Somos o “homo circulator”, como afirma o filósofo, não chegamos a lugar algum no que se refere à nossa missão essencialmente humana.
Infelizmente, pagamos um preço muito alto por essa corrida rumo ao futuro. Deixamos de viver o momento presente e desfrutar dos momentos de lazer, de confraternização, de vivência espiritual. Deixamos de participar de atividades coletivas voltadas para o bem-estar social, para a defesa dos direitos humanos, para a promoção da saúde das pessoas e do meio ambiente de um modo geral. Renunciamos à nossa condição humana, na medida em que escolhemos unicamente a nós mesmos. Passamos a ser engrenagens que imprimem velocidade aos mecanismos de produção do mundo contemporâneo.
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PARE! OLHE! ESCUTE! A vida não é um trem descarrilhado. Se há algo que exige pressa de nossa parte é a reconquista de nossa humanidade. Um animal, seja ele uma formiga, um cachorro ou elefante, já traz na sua própria natureza aquilo que caracteriza o seu modo de ser e agir. O homem não nasce pronto, precisa construir sua existência, o que só é possível se ele desenvolve a sua humanidade e, na medida em que o faz, humaniza o mundo ao seu redor. Essa é a única razão de nossa existência. Se hoje o mundo está desumanizado, o que estamos fazendo aqui?