Comportamento Psicologia

A conturbada relação de uma aranha e sua mosca: aprendendo a lidar com portadores do Transtorno de Personalidade Narcisista – Episódio XVII

Uma mulher apontando para si mesma.
Nicoleta Ionescu / Shutterstock

O perfil popularizado como do “psicopata narcisista” recebeu esse nome por reunir características dos dois tipos de transtorno que o compõem, onde ambos são egocêntricos, manipuladores e não experimentam qualquer arrependimento pelo que cometem. São tão comuns que dificilmente a maior parte das pessoas não teve algum contato com eles.

Oficialmente essa classificação não aparece listada no Manual de Diagnósticos em Saúde Mental, conhecido por DMS-5, tendo sido popularizada apenas na cultura popular; mas na prática não há muita diferença dos efeitos que acaba produzindo nas pessoas de seu convívio diário, razão para serem mantidos bem longe, independentemente do termo usado para definir o desvio comportamental.

Neste episódio estaremos nos concentrando em alguns aspectos que permitem reconhecer o psicopata narcisista em suas múltiplas facetas, pois, como a própria ciência não conhece formas de tratar o problema, a ação preventiva passa pela identificação de seus portadores para mantê-los à distância de suas possíveis vítimas, partindo do pressuposto de que a informação é o melhor antídoto contra a toxidade que espalham nos ambientes compartilhados com as demais pessoas.

Uma pessoa vista de costas com uma capa com uma caveira e a palavra "toxic" escrita nela.
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Vale observar que nem mesmo a descrição do quadro se mostra totalmente eficaz como ação preventiva, já que essas mentes doentias têm a seu favor uma inacreditável capacidade de simulação para convencer qualquer pessoa de que se enganou ao enquadrá-lo no perfil descrito. E que não se duvide do quão poderosa pode se mostrar essa capacidade de convencimento, conseguindo até que pessoas que já traziam o conhecimento anterior do transtorno – pelo menos na teoria – ao estabelecerem contato com ele fiquem tão encantadas que duvidem de tudo o que leram a respeito, ou questionem a si mesmas se não se precipitaram ao julgá-lo de forma tão oposta ao que ele revela no contato direto com elas.

Alguns especialistas descrevem o narcisista como detentor de uma presença tão impactante e carismática que exerce um efeito quase hipnótico em suas vítimas logo ao primeiro contato. Por algum motivo ainda pouco compreendido, fica nítido ao observador externo, familiarizado com tais casos, o estado de deslumbramento que ele transmite às suas vítimas de modo a anular-lhes todas as tentativas de resistência. Sua sedução se mostra tão eficaz que há registros de muitas pessoas que, mesmo avisadas anteriormente sobre os recursos de que ele faz uso, no momento do encontro se desarmam completamente, passando a acreditar que vale a pena correr o risco diante do “principe encantado” que agora têm diante dos olhos. Os estudiosos do assunto descrevem-nos como capazes de, numa simples observação, fazer uma leitura instantânea da vítima para definir o tipo de sedução que resulte em total sintonia com ela, e quem já presenciou o fato sabe que não existe nada mais verdadeiro.

A seguir iniciaremos nossa abordagem dos traços de personalidade mais comuns no perfil atribuido aos psicopatas narcisistas:

Costumam revelar um senso exagerado de autoimportância – ainda que instintivo e desordenado – a ponto de, em algumas situações, encontrarem dificuldades inclusive de mantê-lo sob controle.

Mostram-se extremamente inseguros nos relacionamentos, desenvolvendo paranoias que os fazem ver ameaças por todos os lados. Traições imaginárias lhes geram um permanente estado de vigilância a ponto de escutarem atrás das portas ou instalar câmeras para se prevenirem contra supostas armadilhas que só eles enxergam.

Como qualquer psicopata, narcisistas não experimentam empatia com outras pessoas, e até as demonstrações de afeto e preocupação são usadas para simular um amor que não sentem, ou uma solidariedade que apenas disfarça um interesse específico, e que saberá cobrar quando chegar o momento.

Tendem a viver relacionamentos conflitantes e agressivos alternados com breves períodos de “calmaria”, seguindo um modelo que a sabedoria popular trata como de “morde e assopra”.

Sentem uma necessidade exacerbada de atenção e admiração, em que momentos de exibicionismo se alternam com os de uma profunda frustração quando não confirmam o talento ou a superioridade de que se acham “ungidos”.

Uma mulher gritando.
shotprime / Canva

Também como qualquer psicopata, narcisistas são manipuladores ao extremo, não sentem remorso e se revelam incapazes de estabelecer vínculos afetivos reais.
Apresentam uma percepção disfuncional em que predomina a falta de coerência nas ações do cotidiano decorrente de um senso ético que impossibilita a distinção entre certo e errado. Como resultado, jamais se mostrarão confiáveis, mentindo desbragadamente e mantendo uma vida dupla cheia de mistérios, infidelidade e hábitos sorrateiros.

Não aceitam ficar submetidos a normas sociais, usando de todos os artifícios que encontram para se posicionar como pessoas privilegiadas e acima da lei. São capazes inclusive de falsificar documentos, ostentar emblemas de posições que não ocupam, fazer uso da famosa “carteirada” cotidiana e se aproximar de autoridades úteis para legitimar sua megalomania.

Não possuem escrúpulos na perseguição de seus objetivos, passando por cima de tudo e de todos para atingi-los.

Confiam muito no seu poder de sedução para alcançar tudo o que almejam, e geralmente conseguem seu intento com muita facilidade por conta disso. Em contrapartida, encontram enorme dificuldade para manter as conquistas, pois que a proximidade do convívio acaba por expor sua verdadeira natureza. No afã de chegar rapidamente ao topo, atropelam etapas importantes, empoderam-se nas posições alcançadas e se apoderam de tudo a que têm acesso, assustando os que os observam, principalmente nas relações de trabalho. Como resultado despencam tão rapidamente quanto escalaram seu status social, transformando suas vidas numa montanha russa cuja marca é um “sobe e desce” sem fim.

Outra característica típica dos narcisistas reside na tentativa de adaptar os ambientes que frequentam à falsa realidade que seu ego lhes cobra, para senti-lo compatível com a superioridade que se auto conferem.

Revelam-se extremamente invejosos diante do sucesso alheio, pois que nesses momentos a realidade entra em choque com seu ego inflado ao informá-los que existem pessoas mais talentosas do que eles. Nessas ocasiões podem ser tomados por tamanho furor até para colocar em risco todo o teatro de que fazem uso no exercício de sua falsa superioridade.

Narcisistas sempre estarão envolvidos em relacionamentos abusivos servindo de palco para suas crueldades e violações de regras de toda ordem. Com as pessoas diretamente envolvidas tais abusos são de natureza emocional, podendo culminar nos físicos. Na sociedade como um todo, eles acontecem pela ausência de limites, que os impele a ignorar as regras aplicáveis aos demais cidadãos. Nos dois casos a lógica é sempre a mesma: se podem conseguir tudo o que desejam através dos outros e sem dispender nenhum esforço, não verão nenhum problema em fazê-lo, até porque questões morais não fazem parte de sua realidade.

Um home  de terno olhando para o lado direito. Ao fundo, setas que indicam sentidos diferentes.
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Portadores de TPN não admitem críticas, nem mesmo as construtivas, reagindo muito mal quando são corrigidos mesmo para evitar o repasse de uma imagem negativa. Irão responder com ironia ou escárnio diante da correção de uma fala, ou até erro de pronúncia, por exemplo. Como são extremamente vaidosos, sentem-se atacados se lhes for apontado qualquer tipo de erro, já que se sentem perfeitos demais para a correção partir de um “simples mortal”.

Eles são incapazes de fazer qualquer referência elogiosa, ou que enalteça uma outra pessoa, e se mostram ofendidos se for você a elogiar outra pessoa em sua presença, reagindo pelo viés da “lógica excludente”: “Você está falando isso apenas pra me dizer que eu sou o contrário dele”.

São arrogantes e intimidatórios, principalmente com pessoas gentis que não respondam no mesmo tom, criando um clima pesado em que os mais próximos se sentem mal, sendo tomados por constrangimento ou até atacados em sua dignidade.
Como pessoas que usam outras para atingir seus objetivos pessoais, não terão qualquer escrúpulo em se relacionar com várias ao mesmo tempo, seguindo a premissa de que cada qual pode oferecer algo que as demais não têm. Que não se espere fidelidade então por parte de um narcisista, pois serão sempre promíscuos e infiéis nos seus relacionamentos.

Psicopatas narcisistas lidam muito mal com concorrência. Qualquer pessoa de seu grupo que começe a se destacar, fatalmente sofrerá boicotes e desconstruções sistemáticas por parte deles, pois querem ser protagonistas absolutos dos grupos sociais que integram, sendo o centro de todas as atenções.

Ao se sentirem desafiados em qualquer aspecto, podem romper com todas as barreiras de seu próprio autocontrole e se mostrarem extremamente violentos. Nesses momentos eles surpreendem a quem quer que assista à cena e até a si mesmos, com sua reação inesperada e agressiva. Via de regra eles odeiam quando isso acontece, pois seu espírito agressivo se despe da máscara de carisma e sofisticação que ostentam para expô-lo publicamente, por não conseguirem controlar sua impulsividade quando provocados, mesmo em situações involuntárias e desimportantes que passariam despercebidas, não fosse sua reação.

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Para concluir, importante ter sempre em mente que psicopatas narcisistas não se corrigem, e se apoiar em suas promessas e falsos arrependimentos para manter o relacionamento só fará com que suas vítimas acumulem frustrações e corram sério risco de ver a relação chegar a um ponto limítrofe com forte potencial para consequências mais graves. Necessário ainda entender que pessoas com este perfil não aceitam rupturas iniciadas pela outra parte, já que a veem como propriedade, portanto romper com tudo será sempre uma prerrogativa deles. Devido à supremacia com que se veem revestidos, só admitirão o rompimento após concluir que os parceiros ou parceiras não têm mais nada a lhes oferecer e que chegou a hora do descarte, desde que, evidentemente, a iniciativa parta deles!

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Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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