Uma vez abordado o modus operandi do narcisista, sobre o qual falamos ao longo de toda esta série, resta agora explorar um pouco o outro lado dessa moeda, ou seja: as diferentes reações das “moscas” que caem em sua teia, algo muito pouco abordado nos textos que tratam do assunto e que nem sempre descrevem o drama, levado às vítimas envolvidas nessa complexa relação, em todos os seus desdobramentos de caráter físico, mental, social e legal.
Neste episódio, trataremos das que surgem onde o narcisista desenvolve suas atividades profissionais. No que toca especificamente a esse ambiente, o que nos diz o manual de diagnósticos para distúrbios de saúde mental é que psicopatas costumam ser, com alguma frequência, possuidores de mentes brilhantes, significando dizer que suas áreas de atuação podem ser as mais diferentes possíveis.
Porém, dependendo do tipo de transtorno que exibem, sua inteligência estaria submetida às características típicas daquele perfil. Psicopatas com traços narcísicos, por exemplo, costumam se achar mais inteligentes do que realmente são. Esse entendimento é importante para o tipo de abordagem deste episódio.
Se é verdade que psicopatas revelam índices de inteligência acima do normal, esse não é bem o caso do narcisista, sendo mais provável que supervalorize sua capacidade intelectiva, já que costuma cometer deslizes grosseiros que o comprometem diante de sua “plateia”.
Poderíamos começar pelo que resulta em sua maior vulnerabilidade, que é, também, a característica mais presente de seu perfil: eles detestam empregar esforço para conseguir o que querem, daí a opção sempre pelo caminho mais fácil. Isso não fica restrito apenas ao seu modus operandi junto às vítimas, mas abrange todas as demais áreas de atuação, desde muito cedo.
Por confiarem demais na sua capacidade de sedução para ter acesso a tudo o que queiram, normalmente não se empenham para atingir um nível de qualificação efetivo, limitando-se apenas àquele que desejam exibir, já que são imediatistas e gananciosos demais para o período necessário a uma boa formação. Eles sempre vão achar que seu poder de sedução dispensa-os de maiores esforços, pois encontrarão muitas pessoas dispostas a fazer qualquer coisa por eles.
Nesse quesito, acabam se distanciando desse mercado atual tão mais exigente, que cobra competência e conhecimento técnico em níveis cada vez mais altos. Resta-lhes então apelar para atividades que não exijam muito além do que já possuam, ou seja: aquelas habilidades que sabem explorar bem ao tecer teias em torno de suas “moscas”.
No caso específico do narcisista, uma dessas carreiras é, por exemplo, a área de vendas, na qual conseguem se sair relativamente bem, devido ao perfil de vendedor se aproximar de seus “pendores naturais”: o poder de sedução para atrair o cliente num processo de venda, e aquele tipo de vínculo que, mesmo sendo superficial, passe a imagem de um relacionamento confiável que “coloca seu cliente como prioridade”.
É requerido também do vendedor que tenha uma boa apresentação, seja convincente e habilidoso com a fala, visando impressionar um cliente em potencial.
Desejável também, ao perfil, que consiga passar uma mensagem positiva e simpática, para obter a fidelidade do cliente em suas abordagens, ainda que tal fidelidade não seja recíproca. Essas coisas são o que o narcisista mais adora fazer, quando em contato com suas vítimas.
O vendedor narcisista seria o profissional perfeito, dentro de sua área de atuação, não fosse uma ambição, desmedida e insaciável, que não o mantém dentro do papel que lhe é confiado, já que está sempre almejando ir além de tudo o que já conseguiu.
Se tiver autonomia, então, para não ser acompanhado de perto, poderá escalar seguidamente vários degraus, atingindo rapidamente os diferentes estágios da função, e até passar de vendedor comum para líder de equipe, em curto espaço de tempo. E já sabemos que driblar sistemas de vigilância é algo em que o narcisista se mostra especialista, sem o que não conseguiria viver os diferentes papéis de sua vida ambígua.
Porém, nem tudo são flores para o narcisista, em seu ambiente de trabalho, a começar pelo fato de seu comportamento insidioso precisar passar por um “upgrade”, de modo a não se expor perante tanta gente que se comunica o tempo todo. Essa será, então, a primeira adaptação que precisará fazer, tão logo se veja frequentando um ambiente compartilhado com um número significativo de pessoas.
Mas, se existe um campo especialmente vasto e diversificado de moscas para a nossa aranha, esse é o ambiente de trabalho, onde poderá escolher suas vítimas entre muitas que se prestem a atender seus mais diferentes propósitos.
Por conta de tantas possibilidades apresentadas a ele no espaço profissional, só esse tema já renderia assunto para um sem-número de episódios da nossa série, se o desejássemos. Neste, em especial, vamos conhecer a primeira dessas “moscas” e o impacto que se abate sobre ela durante todo o período de convívio com essa ardilosa aranha, num lugar em que sua capacidade de tecer teias é praticamente ilimitada.
O repertório da aranha nunca estará restrito ao momento de construção da teia, como sabemos, mas, no ambiente profissional, será cobrada dela uma dose extra de atenção. Se a concentração de muitas vítimas em potencial num mesmo ambiente oferece vantagens estratégicas, sob vários aspectos, por outro lado também cobrará mais cautela da aranha, para que seus planos não lhe fujam ao controle, já que muitos olhos estarão voltados para ela.
Enquanto, num ambiente privado, fica bem mais difícil à mosca observar a movimentação da aranha, no trabalho essa dificuldade praticamente inexiste, e um observador atento poderá até criar situações para que o narcisista se exponha, caso perceba algo estranho. Mas que não se pense nisso como impedimento para o narcisista usar sua habilidade de “encantador de serpentes” ao se apresentar como “o funcionário dos sonhos” de todo chefe, até este se deparar com os problemas que fatalmente ocorrerão.
Tradicionalmente, as vítimas iniciais do narcisista, no ambiente de trabalho, não surgem dentre os colegas, mas entre superiores hierárquicos, como o supervisor da equipe ou seu gerente de vendas. Isso ocorre porque a proximidade faz com que essas “moscas” percebam uma gradativa alteração de comportamento e se convertam em ameaças à sua atuação, tão logo o narcisista se assenhore do ambiente, após a contratação — quando fez uso de todo um arsenal de sedução para conseguir a vaga.
Assim, pode não demorar muito para que o candidato, aparentemente capaz, cativante e de fácil relacionamento durante o processo seletivo mostre um lado diametralmente contrário do esperado, nos meses que se seguem. Como é menos frequente que relações de trabalho apresentem vínculos emocionais significativos, o observador normalmente não se envolverá tanto com o lado sedutor do narcisista, o que lhe permite manter uma visão mais crítica sobre a realidade. Consegue, então, perceber, de modo mais claro, a diferença entre o “antes” e o “depois” acontecendo em período relativamente curto, e isso, logicamente, fará com que fique ainda mais atento, a fim de entender a razão da mudança.
No início, uma coisa que salta aos olhos é a velocidade com que o narcisista vai se tornando cada dia mais “espaçoso”, a ponto de se conduzir, no local de trabalho, como se tudo a que tem acesso (pela função) fosse se transformando em propriedade particular. Ele passará a não fazer distinção entre o disponibilizado para uso a trabalho e as coisas que possui na vida privada.
Passará facilmente a usar o celular corporativo nos fins de semana, para economizar na conta de seu próprio aparelho; utilizar o carro da empresa em passeios particulares; ou até se apresentar a clientes e amigos como “gerente de vendas”, quando seu cargo não vai além do de um vendedor comum.
É também comum que o superior direto vá descobrindo diversas mentiras que ele conta a pessoas de fora, para receber tratamento diferenciado, ou até “mutretas” armadas com clientes igualmente desonestos, que possam trazer lucros a ambos, tais como contratos que desviem valores para seus bolsos.
O ambiente corporativo, por sua complexidade, permite, com relativa facilidade, o emprego de ações que levem vantagens a pessoas mal-intencionadas, por meio de expedientes escusos. Não é difícil para o narcisista, portanto, encontrar oportunidades de realizar muitos de seus desejos por meio dessas manobras, com risco de depois estourarem na cabeça de um superior hierárquico, colocando-o em maus lençóis ante direção, ou até que precise responder penalmente pelos prejuízos.
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Esses são apenas alguns dos problemas que essa primeira “mosca corporativa” poderá encontrar antes de descobrir, por si mesma, a besteira que fez, ao se deixar seduzir pelo narcisista, até transformá-lo em seu “homem de confiança”. Na sequência, virão outras, enquanto ele não for contido por ato de tal gravidade que culmine em sua demissão por justa causa.
Acompanhe a série:
Você está no episódio 18