“Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou …” (Eclesiastes 3,1 e 2)
Todas as vezes que um ano termina e outro ano inicia, temos a sensação de que nossa vida é como uma ciranda de roda, em que todos nós dançamos num movimento circular que nos faz girar para um lado ou para o outro, num ritmo frenético que nos faz esquecer quem somos e para onde vamos. Assim, como se de repente, um ano termina e outro começa, e nós nos damos conta de que o tempo apagou muitos dos nossos sonhos, que muitos propósitos se perderam no girar da ciranda. Então, animados pelo nascer de um novo ano, prometemos a nós mesmos retomá-los e organizar nossa vida de uma forma mais produtiva e realizadora. Muitas vezes, reorganizamos nossa agenda: fazer aquele curso indispensável para uma atualização do conhecimento, praticar yoga, fazer musculação, participar dos encontros da turma de amigos, ler aqueles livros separados na estante da biblioteca, realizar um trabalho solidário, fazer uma viagem para fora do país… Porém, a ciranda gira novamente e não chegamos a lugar algum.
Como o tempo passa depressa! Por que passamos a vida toda escravizados pelo tempo e ele nos parece sempre insuficiente para realizarmos tudo que projetamos? Você já reparou que nossa existência nunca cabe no tempo? Afinal, que tempo é esse que nos engole e não podemos controlar?
O tempo é um importante referencial para o nosso modo de ser, existir e fazer.
Entretanto, tentar explicar o tempo não é tarefa fácil. O conceito de tempo é extremamente amplo, complexo e multidisciplinar. Desde a antiguidade até a contemporaneidade, filósofos e cientistas divergiram entre si sobre a questão do tempo, ora lhe atribuindo um conteúdo objetivo proveniente da experiência, ora o considerando atributo da consciência, ou seja, uma condição subjetiva. Por isso, não me deterei aqui na análise histórico-filosófica e científica desse conceito, mas gostaria de destacar uma reflexão que aprecio muito, feita por Santo Agostinho, em sua obra “As Confissões” (livro XI cap. 14-20):
“Que é, pois, o tempo? Quem poderia explicá-lo de maneira breve e fácil? Quem pode concebê-lo, mesmo no pensamento, com bastante clareza para exprimir a ideia com palavras? No entanto, haverá noção mais familiar, mais conhecida e usada em nossas conversações? Quando falamos dele, certamente compreendemos o que dizemos; o mesmo acontece quando ouvimos alguém falar do tempo. Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem indaga, já não sei. Contudo, afirmo com certeza e sei que, se nada passasse, não haveria tempo passado; que se não houvesse os acontecimentos, não haveria tempo futuro; e que, se nada existisse agora, não haveria tempo presente. Como então podem existir esses dois tempos, o passado e o futuro, se o passado já não existe e se o futuro ainda não chegou?”
A rigorosa reflexão de Santo Agostinho levou-o à seguinte conclusão: “nem o futuro, nem o passado existem, é impróprio dizer que há três tempos: passado, presente e futuro. Talvez fosse mais correto dizer que há o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. E essas três espécies de tempos existem em nossa mente, e não as vejo em outra parte. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a percepção direta; o presente do futuro é a esperança.”
Considero a reflexão de Santo Agostinho muito interessante. Se pensarmos bem, a noção de tempo que acompanha a nossa vida cotidiana é relacionada ao tempo objetivo, aquele que medimos por meio de artifícios e instrumentos inventados pelos homens e que, na verdade, medem o espaço de tempo, mas não propriamente o tempo vivenciado. Daí o nosso espanto: quando estamos muito envolvidos com algo que nos agrada muito, temos a sensação de que o tempo passou muito rápido; ou, ao contrário, quando vivenciamos uma situação que nos penaliza, temos a sensação de que o tempo custa a passar.
O que seria então esse tempo vivenciado senão o tempo presente em nossa consciência? E o que seria o tempo presente, senão a pura duração? Não seríamos nós mais felizes, se fossemos mais sintonizados com o tempo presente, em vez de ficarmos lamentando o tempo perdido, ou postergando os nossos desejos para um tempo futuro?
Os versos 1 e 2 do salmo Eclesiastes 3 afirmam que há um tempo certo para tudo. Visto por este ângulo, não seria o tempo presente o tempo certo para meditar? Por outro lado, a meditação não seria a melhor forma de permanecer no tempo presente, sem remoer o passado ou nos preocuparmos excessivamente com o futuro?
Com os questionamentos acima, pretendo, neste artigo, focar um pouco mais no conceito filosófico de meditação. Reconheço, obviamente, os benefícios da meditação para a nossa saúde física e mental, e considero a prática da atenção plena essencial ao controle de nossos pensamentos, mas gostaria de recuperar aqui o sentido da meditação para a formação da consciência ou da subjetividade de cada indivíduo.
Vamos refletir sobre isso?
Não podemos negar que os avanços tecnológicos ocorridos na sociedade contemporânea trouxeram numerosos benefícios para as mais diversas áreas sociais, principalmente se considerarmos o surgimento da internet e das diversas redes sociais que promoveram o fenômeno da globalização. Ocorre, entretanto, que esse fenômeno desestabilizou valores tradicionalmente estabelecidos e padronizou identidades. As redes sociais interferem, de forma vertiginosa, na mudança de costumes e hábitos das diferentes classes sociais. Promovem uma crise das identidades porque os ideais dos indivíduos não lhes pertencem mais. O que vale é ser o outro, pertencer e agir de acordo com um determinado grupo forjado pela indústria cultural. Essa falsa identidade passa a ser a referência principal dos indivíduos, dizendo-lhes o que comer, o que vestir, como falar, do que gostar. O mais preocupante, ainda, é que a fluidez e o dinamismo das redes sociais concorrem para a mobilidade e temporalidade do comportamento humano, ou seja, os valores e costumes passam a ser circunstanciais. Dessa forma, o sujeito não é mais sujeito de suas escolhas, perde sua autonomia e autenticidade, é “coisificado”, fragmentado, não tem uma genuína identidade cultural que conduza seu modo de ser e agir. A falsa identidade encobre o verdadeiro eu e o indivíduo passa a viver de aparências, assumindo condutas conflitantes, com o intuito de ser aceito por determinados grupos sociais com os quais convive.
É isso que desejamos para nós: que a nossa vida se perca, a cada ano que passa, na ciranda de roda onde seremos qualquer coisa, menos nós mesmos?
A meditação é o melhor caminho para recuperarmos nosso eu perdido, o nosso eu interior, aquele que é o fio condutor de nosso processo de humanização, aquele que faz cada ser humano único. Fábio Lima, terapeuta idealizador do canal Meditar para Despertar, afirma que, “ao meditar, a nossa consciência se torna luz, resplandece dentro de nós e, dessa maneira, passamos a compreender o que sentimos, pensamos e fazemos. Essa é a essência da meditação.”
Por isso, meu caro leitor, o tempo certo para meditar é o tempo presente. A prática contínua da meditação nos situa no aqui e no agora, de tal modo que, à medida que nós a formos aprimorando, poderemos nos conectar com nosso verdadeiro eu. Existirá uma experiência mais maravilhosa do que o sentimento de plenitude da consciência, no mundo caótico no qual vivemos?
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Na idade moderna, o filósofo Descartes afirmou: “penso, logo existo”. Se ele tivesse vivido nos dias atuais, talvez tivesse chegado a outra conclusão: medito, logo EU SOU.