Eu Sem Fronteiras: Como aproveitar a medicina Ayurvédica para a vida?
Arjun Das: Existem muitas formas de aproveitar o conhecimento sobre o Ayurveda. Ele é um sistema médico, mas de acordo com a forma que se apresenta, também podemos observá-lo como um sistema poético.
O Ayurveda foi apresentado ao mundo quando não se tinha um milionésimo dos problemas de saúde que temos hoje, como: a carência do sistema hospitalar, do sistema terapêutico, da disponibilidade clínica, do número de médicos, do suporte da medicação e de leitos de internação.
Hoje, o sistema de saúde é muito complexo e dependente de um aparato tecnológico, que requer um investimento para ser viabilizado – visto o crescimento dos planos da saúde. Mas essa é uma questão que não se limita ao Brasil, o mundo inteiro está na mesma situação.
Não temos uma cultura de saúde e de bem-estar, e sim a cultura de “não ficar doente”, que é completamente diferente. Existe um temor para não contrair nenhuma doença e, se acontecer, temos que ficar curados logo.
A Ayurveda nasce com a abordagem de cultura do bem-estar, e não como um sistema médico de saúde. Ela se assemelha a um tratamento médico por seguir alguns parâmetros de lugar, tempo e circunstância.
Em outros milênios, o Ayurveda encantava muito mais pelos mantras, pela suavidade e pela meditação. Talvez, hoje, nos encante mais o uso de plantas medicinais, que é uma fascinação farmacológica. É nesse ponto que, muitas vezes, perdemos a oportunidade de perceber a força que está por trás de uma planta.
Ela é um ser, uma vida que está na sua própria jornada evolutiva. Quando não percebemos isso, temos a diminuição da força e da assinatura de um outro ser, de um outro reino, mas que vive igualmente no mesmo tempo e espaço que nós.
As plantas nos inspiram de várias formas e nos ensinam, pela sua própria apresentação e anatomia, o manejo na jardinagem, no cultivo, o respeito a sua preservação, o contemplar de sua forma, de sua cor e da presença de seu aroma.
É muito importante observar que o Ayurveda está contemplando e promovendo um estado de expansão de consciência disso tudo. Ou seja, com ele é possível tornar-se amplamente ciente da sua existência interconectada com todos os seres, para que o estado espontâneo de contentamento de integridade possa ser o que ganhamos em um determinado momento da nossa própria evolução e maturidade intelectual.
O objetivo é atingir um estado de contentamento, e não apenas um laudo médico apontando que não existe nenhuma doença. É preciso estar pleno, e isso se conquista através de um mergulho em si mesmo. A medicação torna-se a meditação.
ESF: Como incorporar para o cotidiano?
AD:É preciso observar em que momento você está vivendo, quais são as suas necessidades e dores e quais são as soluções. Tudo é uma questão de correspondência com o grau de consciência e de atenção mental intelectual que a maioria corresponde.
Quando você muda radicalmente seu padrão vibratório e propõe uma cultura espiritual, não necessariamente religiosa, centrada na essência do ser, então a saúde é um trampolim, um viabilizador de uma jornada de alto conhecimento. Desta forma, qualquer que seja a enfermidade que se manifesta, ela vem com uma sinalização, como um sábio orientador, apontando exatamente onde é que estamos falhando ou esquecendo a presença.
Essa é uma discussão filosófica, mas encantadora, que merece sempre ser associada com conhecimentos antigos, para que não fique conhecida somente como uma técnica indiana alternativa de tratamento de doenças, porque essa é a forma mais empobrecedora de descrever o Ayurveda.
Alguns me perguntam se eu considero importante a realização de um curso de introdução ou se é possível busca informação aos poucos. Acredito que minha própria história responde um pouco isso. Eu fiz o meu curso de introdução e de formação (nível I e II), fui avançando, vivi ao lado de alguns médicos indianos, como estagiário, fui ganhando mais propriedade, mais articulação, habilidade, segurança, e esse é um processo que eu repito já a mais de 15 anos da minha vida.
Vou para a Índia anualmente, sempre buscando uma sensibilidade maior. Quando olho para trás, vejo muitas pessoas importantes para a minha vida. Lembro da minha família, com a imagem dos meus avós, que eram raizeiros. Eles gostavam de ir para o mato colher plantas, e não tinham nenhum livro de fitoterapia em casa, mas apresentavam um conhecimento que eles desenvolveram ou conquistaram pela sensibilidade, pela atenção, pela presença, com seus familiares (que são os meus bisavós, e tataravós).
Enfim, existe toda uma tradição, é possível observar nesse mesmo conhecimento, sensibilidade da natureza, de captação e de potencializar essa medicação com amor.
ESF: O que aprender com o Ayurveda?
AD:É possível aprender com o Ayurveda estando simplesmente atento, presente, contemplando a vida. Aquilo que você aprender e tocar seu coração pode ser chamado de Ayurveda. Você não vai aprender simplesmente porque está fazendo um curso. Se você vai para um curso de Ayurveda, saiba que está fazendo uma formação completa.
Se você não tiver esse espírito de contemplar, observar, silenciar, aceitar, respeitar, e consagrar a diversidade na unidade, não estará aprendendo praticamente nada. Você estará sendo exposto a uma informação, mas se ela chegar em um coração e uma mente confusa, ali estará o surgimento da doença.
Em poucas palavras, o Ayurveda explica as doenças como sendo um estado de manifestação da ignorância, que é o resultado de uma dificuldade de interação entre o ser maior, com o meio, quando se passa pelo prisma dos sentidos.
A mente que deseja e o intelecto que articula: é ego que manipula todo esse processo, justamente para satisfazer todas suas carências. Ele se identifica, confunde com aquele que realiza a obra, e deixa de ser o grande observador, ponto essencial e espiritual de todas as coisas. Se você observar como uma tela, ou através do conhecimento Indiano, esse pensamento não se limita ao Ayurveda. Isso vem do Ioga, de traduções de vários darshas, de grandes filósofos dentro da cultura Vedica, que diz que alma é um ponto de felicidade absoluta e retocável.
O sofrimento é uma experiência muito periférica, tão mais próxima da natureza material que esse sofrimento não macula a condição original da alma, do espírito.
Sendo assim, toda e qualquer forma de doença, enfermidade, sofrimento, contratempo ou de algum embaraço surgiu exatamente por causa desta dissociação entre o ser e o visto. A experiência ilusória, teia de realidade fictícia, que é capitada pela preparação de nossos sentidos, da nossa visão, do nosso tato e da nossa percepção ainda é muito limitada.
Não é um conceito exotérico, espiritualista, é um conceito biológico. Nós temos dissidências sensoriais imensas quando comparadas a várias outras espécies de animais, apenas para nos limitar a essa própria realidade, desse país.
Toda e qualquer tipo de experiência de interação com o meio, movida por uma ilusão, distorção da realidade e interferência do ego gera ignorância, ou é causada pela ignorância ao mesmo tempo. Sendo assim, a doença se manifesta porque, agindo de forma ignorante, não se sacia a expressão maior do ser que é feliz. É gerada uma experiência externa de egoísmo, completamente contrária à pluralidade do espírito. Esse elo perdido é justamente o momento em que se viabilizam as doenças, de acordo com o Ayurveda.
E claro que, quando existe o foco nesse ponto, ocorre o processo de cura e a promoção da saúde, porque o Ayurveda é um sistema que promove a saúde, seu foco é no restabelecimento do conhecimento. A doença é uma expressão, um fenômeno que vem por uma constituição e um estado de ignorância.
Do contrário, você apenas estica uma existência, isso se chama sobrevivência. Longevidade é outra coisa, trata-se de viver mais e melhor, no sentindo de atingir conscientemente todas as camadas de excelência de sua personalidade, aprimorando e trabalhando suas habilidades, se tornando espontâneo no momento de expressar seus grandes talentos.
A longevidade é essa fantástica jornada de estar presente e consciente no seu dia a dia, observando exatamente o que está acontecendo e como você promove, através da sua própria presença ou participação em todo o sistema, uma cura para si mesmo, através da prazerosa dissolução dessa confusão, ilusão e estado de ignorância. Automaticamente, mesmo que não queira, você se torna um ponto de referência de luz natural para o mundo, e isso nem será percebido por outras pessoas ao seu redor.
Você não precisa se tornar um pregador com megafone na vida das pessoas, dizendo como elas devem viver, pois essa é uma abordagem antipática. Você pode se tornar um pregador silencioso, porque se torna uma referência de saúde e de vitalidade, que as pessoas reconhecem naturalmente, porque a alma sabe reconhecer onde isso se manifesta.
ESF: As pessoas se importam mais em tomar os remédios do que buscar e compreender as dores, suas doenças ou traumas?
AD: Nem sempre foi assim, e isso não se limita a tomar remédios e não buscar compreender suas doenças e traumas. É a natureza do ego, da ignorância e da ilusão que confunde nossa realidade.
Aceitamos automaticamente o sofrimento, a vitimização. Ao assumir ser vitima de algum teatro da vida, você culpa todas as outras pessoas, menos a si próprio. Você quer sair dessa situação porque ela dói, então o remédio é o que tira essa dor, mesmo que distancie a sua oportunidade de se tornar consciente neste processo.
O Ayurveda é um alimento mais potente, adequado, forte, nutritivo, rico em sabor e não apenas em gosto. É natural e cheio de vida.
O Ayurveda quer promover esse estado para que ele se torne espontâneo em sua vida. É aí que começa uma deliciosa jornada, ao você perceber que o teatro da vida, com suas dificuldades, diversidades, obstáculos, objeções, resistências, impedimentos e atrasos não foi nenhum fenômeno exclusivamente voltado ou direcionado para você e sua existência.
É um teatro que deve se observado, não é uma tinta que você deve colocar suas mãos e se ver todo tingido pela ilusão. Você se torna aquele que participa do teatro, mas não quer assinar a obra e se misturar com o caos.
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Como um ponto de partida de toda essa experiência, é muito importante que você observe o estado de contentamento que, ilusoriamente, acredita ter perdido. Essa é uma expressão que eu uso dentro do meu trabalho, uma expressão que eu tenho trabalhado: você precisa admitir que é a paz o que procura na nossa teia.
Leia a parte 1 e a parte 2 da entrevista.
- Entrevista concedida a Angélica Weise da Equipe Eu Sem Fronteiras.