Dias e noites corridas. Estresse, barulhos, milhões de séries “superinteressantes” na televisão – mas, quando colocamos a cabeça no travesseiro à noite, no que pensamos? Nas contas para pagar, na blusa que tem que buscar na costureira, na receita de folar da minha avó… nossa, que folar maravilhoso. Bem recheadinho, cheio de linguiças que deixavam o pão macio e suculento. E aqui, nessa terça-feira chuvosa, me lembro do cheiro como se estivesse sentindo agora… o cheiro do pão, o cheirinho da minha avó, a pia de porcelana…
A questão é que nosso inconsciente está sempre repleto de passado. Se você pudesse entrar na sua própria mente (vi isso num seriado sobre chaves mágicas) o que você veria lá dentro seriam memórias claras e frescas, como se tivessem sido vividas ontem. Como se não existissem 40 anos me distanciando da menina sentada naquela cozinha, sentindo o calor do forno do fogão azul com asas.
E é bom você saber e sentir que tem um passado. Nem todas as pessoas têm o privilégio de envelhecer com certa paz. Mas o problema é que, assim como lembramos de um evento tão maravilhoso como o do folar, também nos lembramos do mal, dos traumas, do nocivo. Daquela surra na cozinha, das violências, das faltas emocionais. E é aí que o problema começa.
Curar e modificar nosso futuro passa, necessariamente, por curar o nosso passado. Mas, quando olhamos para ele, para as boas e más lembranças, ficamos tentados a permanecer presos por lá, repetindo velhas histórias quando vamos comer uma pizza num domingo com os amigos ou sentindo a mesma dor quando somos rejeitados por um par amoroso – assim como era com a nossa mãe. Podemos ficar ciclando em medo e dor eternamente e, para mim, esse é o único inferno do qual fala a Bíblia. O inferno é simplesmente algo que está dentro de nós, pulsando como um coração vivo. Latejando e trazendo à tona todas as sensações físicas e emocionais. E, inclusive, é disso que se alimenta o marketing para nos controlar – fica a dica.
Mas então qual é a saída? Terapia? Anos a fio falando desse passado? É, mais ou menos isso. Anos a fio se conhecendo. Anos a fio se curando. Com terapia, fazendo suas orações, ou mantras, ou cânticos, ou treinamentos. Lendo um monte de livros, vendo um monte de vídeos no Tik Tok, mas, fundamentalmente, permitindo que o passado fique em estantes bem organizadas dentro do seu inconsciente.
Faça esse exercício: feche os olhos e imagine uma biblioteca, da maneira que você quiser. Ela pode ter livros físicos ou um imenso computador cheio de dados. Imagine que você entra nesse local e começa a organizar os conteúdos. Traumas, medos, inseguranças. A prateleira das vezes em que foi humilhado ou descartado. A prateleira das sensações ruins. Essas prateleiras, deixem-nas no fundo da biblioteca, ou no alto, inacessível, se preferir. No meio, deixe as boas memórias: do folar da avó, o nascimento do seu filho, o dia do seu casamento. E ali, à mão, deixe só o que você precisa para modificar o seu futuro. As experiências que não quer repetir, o que precisa mudar. Um livro sobre a dieta de que você gosta e segue (não estou falando de emagrecimento e sim de uma dieta saudável); o plano de exercícios que você ama; os livros que ainda quer ler; um guia de viagens.
Um manual do seu marido ou esposa – como ser feliz nesse relacionamento, por exemplo. Os seus sonhos futuros. Deixe tudo isso como se ainda fossem livros e serem escritos e que foram baseados em tudo o que você leu (viveu) naquelas edições nas prateleiras mais distantes de você. Sente-se com uma xícara de chá – se bem que eu prefiro café, aprendi isso com as garrafas térmicas espalhadas pela casa do meu pai – e um pedaço de folar (ou de um pão de calabresa que vende na Pergoleta, que não é igual, mas é bem parecido) e escreva a sua história daqui para frente. Sim, suas escolhas serão baseadas no seu passado, mas não são mais o seu passado. Você pode mudá-las, pouco ou muito, pode adaptar, pode escolher.
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A vida só tem essa direção, e você é o escritor e organizador da sua biblioteca. Deixe o passado no lugar dele. Ainda tem muito chão pela frente.