Uma das canções mais lindas que já ouvi e ouço: Se puder sem medo – Oswaldo Montenegro
Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr’eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe assim o meu verdadeiro abrigo
Deixa a luz do quarto acesa a porta entreaberta
O lençol amarrotado mesmo que vazio
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta
Só na minha voz não mexa eu mesmo silencio
Deixa o coração falar o que eu calei um dia
Deixa a casa sem barulho achando que ainda é cedo
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo
Deixa tudo que lembrar eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir fechando atrás a porta
Deixa o que não for urgente que eu ainda preciso
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa
Deixa ali teu endereço qualquer coisa aviso
Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa
Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande
Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo
Se o adeus demora a dor no coração se expande
Deixa o disco na vitrola pr’eu pensar que é festa
Deixa a gaveta trancada pr’eu não ver tua ausência
Deixa a minha insanidade é tudo que me resta
Deixa eu por à prova toda minha resistência
Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que como esse nosso amor ao menor vento oscila
Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa
Deixa um último recado na casa vizinha
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa
Deixa a dor que eu lhe causei agora é toda minha
Deixa tudo que eu não disse mas você sabia
Deixa o que você calou e eu tanto precisava
Deixa o que era inexistente mas eu pensei que havia
Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava
Minha análise
A letra da música evoca uma profunda melancolia e nostalgia, abordando o tema da despedida e do término de um relacionamento. O eu lírico expressa o desejo de preservar momentos e lembranças, como a foto do sorriso amado envelhecendo junto e a sensação de abrigo nas mãos do outro.
Há uma busca por imortalizar esses instantes, evidenciada pelo pedido para deixar a luz acesa, a porta entreaberta e outros detalhes cotidianos que agora têm um significado especial.
A letra também revela a dificuldade em encarar o fim. A referência ao lençol amarrotado, mesmo que vazio, e a toalha na mesa com a comida pronta sugerem a persistência de hábitos que outrora eram compartilhados.
A imposição para que a voz do eu lírico permaneça em silêncio destaca a dificuldade em lidar com a solidão e a ausência do parceiro.
A resignação e a aceitação da partida são temas recorrentes, expressos na sugestão de deixar o amor morrer sem graça e poesia. Há uma tentativa de aparentar indiferença, representada pelo pedido para deixar tudo como está e fingir esquecimento.
No entanto, os versos revelam a complexidade emocional subjacente, com a necessidade de enfrentar a dor, a insônia e as dificuldades que surgem com a ausência do amado.
O eu lírico também demonstra um desejo contraditório de recordar e esquecer, sugerindo uma batalha interna entre a necessidade de superar a perda e a relutância em deixar para trás o que um dia foi significativo.
A presença de elementos simbólicos, como a vitrola e a gaveta trancada, adiciona camadas à narrativa, representando a tentativa de encontrar consolo na música e a necessidade de esconder sentimentos não resolvidos.
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Em última análise, a letra é um mergulho profundo nas emoções complexas associadas ao fim de um relacionamento, explorando a dualidade entre a tentativa de seguir em frente e a resistência em deixar para trás o que um dia foi compartilhado.