Para comemorar o Dia do Filósofo, celebrado em 16 de agosto, entrevistei a filósofa Carolina Pereira Martins e compartilho com os queridíssimos leitores do Eu Sem Fronteiras a trajetória de vida dessa inspiradora filósofa amazonense, como segue. Espero que gostem, como eu amei entrevistá-la. Boa leitura!
Luís Lemos: Quem é você? Conte-nos, brevemente, um pouco sobre você, sua história de vida, em qual instituição e em que ano se formou em filosofia, se tem livros publicados…
Carolina Martins: Saudações cordiais e fraternas a todos os leitores do Eu Sem Fronteiras. Meu nome é Carolina Pereira Martins, tenho 27 anos, sou natural de Manaus–AM. Atualmente resido no estado de São Paulo–SP. Sou pessoa com deficiência física (PCD), diagnosticada com paralisia cerebral congênita devido à falta de oxigenação no cérebro durante o meu nascimento. Assim, meus movimentos das pernas e minha coordenação motora foram comprometidos, o que me impediu de andar e falar. Precisei usar cadeira de rodas durante a infância.
Ao meu tempo, minha reabilitação foi um processo longo e doloroso, mas o apoio dos meus pais, Francisco Martins e especialmente da minha mãe, Suely Almeida, foram fundamentais. Com muito esforço e dedicação da minha mãe, aos 8 anos consegui levantar da cadeira de rodas e dar meus primeiros passos, o que me permitiu seguir meus estudos.
O amor pela filosofia já nasceu em mim desde criança. Como eu não falava, pensava bastante, então desenvolvi essa capacidade de raciocínio rápido e certeiro. Aprendi a ler em casa com meu irmão, que sempre trazia livros para ensinar e a ler junto comigo. Como eu não andava, ele lia muitos livros para mim. Foi mediante a essa conjectura que nasceu o amor pela vida intelectual, e pela filosofia e a arte de filosofar.
Formei-me em Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em 22 de janeiro de 2024. Ainda não tenho livros publicados, mas pretendo publicar no futuro.
Luís Lemos: Quais eventos ou influências a levaram a se interessar pela filosofia e seguir esse caminho intelectual?
Carolina Martins: Desde cedo, sempre fui uma pessoa curiosa e questionadora. Na minha adolescência, tive professoras e professores que me inspiraram profundamente, introduzindo-me a grandes pensadoras e pensadores e suas ideias. Além disso, minhas próprias experiências de vida, marcadas por desafios e superações, despertaram em mim um profundo interesse por questões existenciais e éticas.
A filosofia se tornou essencial na minha vida como pessoa com deficiência, oferecendo-me um espaço para refletir sobre a condição humana, a busca pelo sentido da vida e a compreensão das diferentes perspectivas sobre o mundo. Através da filosofia, pude analisar criticamente a sociedade e lutar por inclusão e direitos.
Esse campo do conhecimento me deu ferramentas para questionar preconceitos, propor mudanças e defender a igualdade, contribuindo para uma sociedade mais justa e inclusiva. Sigamos na luta sempre!
Luís Lemos: Quais questões ou problemas filosóficos você acha mais fascinantes, ou relevantes para o mundo contemporâneo?
Carolina Martins: A filosofia como disciplina deixou de ser considerada uma “área prioritária” e tem sido questionada por sua natureza pouco prática. Mas, como lembrava a filósofa Marina Garcês, “a filosofia não é útil ou inútil. É necessária”.
Trata-se de uma linha tênue fundamental para aprender a pensar de forma crítica e reflexiva. Refletir e analisar questões fundamentais têm impactos práticos substanciais. A filosofia não apenas nos capacita a perceber o mundo de novas maneiras, mas também pode transformar nossa interação com ele.
Desde auxiliar os outros até lidar com a morte, ou decidir sobre expressões impulsivas nas redes sociais e na vida cotidiana, o pensamento crítico e as ferramentas filosóficas nos orientam na tomada de decisões informadas.
Luís Lemos: Qual é o papel da filosofia na sociedade atual?
Carolina Martins: No ritmo acelerado da vida contemporânea, a filosofia desempenha um papel crucial ao conectar-se profundamente com o cotidiano das pessoas, promovendo um pensamento profundo que desafia o trivial e o comum. Essa reflexão é essencial para evitar que a vida se transforme em uma rotina automática, permitindo escolhas conscientes e significativas sobre nossas ações. A falta de sapiência sobre a vida pode levar as pessoas a se alienar de si mesmas, perdendo contato com suas verdadeiras necessidades e aspirações.
O lema “conhece-te a ti mesmo”, no oráculo de Delfos que remonta ao templo de Apolo na Grécia Antiga, tem sido um princípio fundamental na história da filosofia, destacando a importância do autoconhecimento. Por outro lado, uma vida sem introspecção pode resultar na perda de sentido da própria existência, frequentemente levando à frustração e infelicidade. Essa falta de sentido muitas vezes leva ao consumismo como uma forma de preencher o vazio existencial. Os filósofos da Escola de Frankfurt argumentam que isso perpétua o fetichismo da mercadoria e a reificação dos indivíduos.
O fetichismo da mercadoria ocorre quando os produtos assumem características humanas, enquanto a reificação transforma pessoas em objetos, desumanizando-as e identificando-as, principalmente pelo que consomem. Por isso, enfatizo que o estudo filosófico é de extrema importância mediante a essas questões. Sempre lembro da frase emblemática do filósofo estoico Epicuro, quando ele diz: “Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz.”
Do mesmo modo, a filosofia serve para desenvolver um conhecimento sobre o Estado, as melhores formas de governo e a participação dos indivíduos nesses processos sociais. O pensamento sobre as melhores formas de vida e da construção de uma sociedade justa para seus cidadãos na polis era uma preocupação da filosofia desde a Grécia antiga.
O desenvolvimento do conceito de democracia, fundamento para as formas de governo contemporâneos, tem a filosofia como base, assim como as diferentes ideologias adotadas pelos Estados, para que não sejamos feitos de massa de manobra, acreditando em tudo que vemos, lemos ou que nos dizem.
Luís Lemos: Como você acredita que a filosofia pode contribuir para melhorar nossa compreensão de mundo?
Carolina Martins: Eu entendo que a filosofia, ao longo dos séculos, tem desempenhado um papel fundamental na construção do conhecimento humano e na promoção de uma compreensão mais profunda do mundo. Sua contribuição é vastamente rica e multifacetada, abrangendo desde o desenvolvimento do pensamento crítico até a orientação ética, passando pela reflexão sobre a ciência e a tecnologia. Em um mundo cada vez mais complexo e interconectado, a filosofia se revela mais relevante do que nunca.
Em primeiro lugar, a filosofia promove o desenvolvimento da cognição por meio da análise rigorosa de argumentos e ideias. A filosofia ensina a questionar e a não aceitar passivamente as informações apresentadas. Esse processo de questionamento e análise é essencial para distinguir entre argumentos válidos e falácias, capacitando os indivíduos a tomar decisões mais informadas e fundamentadas. O pensamento crítico, portanto, não apenas enriquece o indivíduo, mas também fortalece a sociedade como um todo, fomentando um ambiente onde ideias e políticas podem ser debatidas de maneira racional e construtiva. Além disso, o exercício filosófico explora questões fundamentais sobre a existência, a moralidade, a natureza da realidade e do conhecimento. Outro aspecto crucial da contribuição filosófica é a orientação ética. A filosofia oferece ferramentas para a reflexão ética, ajudando-nos a avaliar nossas ações e decisões à luz de princípios morais.
Esse processo de reflexão ética é fundamental para a tomada de decisões mais responsáveis e conscientes, tanto na esfera pessoal quanto na profissional. Por fim, a filosofia desempenha um papel vital na reflexão sobre a ciência e a tecnologia. Ela nos ajuda a entender e avaliar criticamente o impacto das inovações científicas e tecnológicas na sociedade. Em um mundo onde a tecnologia avança rapidamente, a filosofia pode promover um desenvolvimento mais consciente e sustentável, questionando os limites dessas inovações.
Em suma, a filosofia oferece uma compreensão mais profunda e crítica do mundo ao nosso redor. Ela capacita os indivíduos a viverem de maneira mais consciente e significativa, promovendo um desenvolvimento intelectual, ético e social essencial para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo. Através do pensamento crítico, da exploração de questões fundamentais, da promoção do diálogo e da orientação ética, a filosofia continua a ser uma ferramenta indispensável para melhorar nossa compreensão do mundo e nosso papel nele.
Luís Lemos: Deixe uma mensagem final para os leitores do Eu Sem Fronteiras, um recado ou uma declaração de amor à filosofia.
Carolina Martins: A filosofia, para mim, é mais do que uma disciplina acadêmica; é uma paixão profunda e transformadora. Ela me ensinou a questionar, a refletir e a compreender o mundo e a mim mesma de maneiras que nunca imaginei possíveis.
Agradeço à filosofia por me guiar nos momentos mais difíceis, por me dar a força para desafiar minhas limitações e por iluminar meu caminho com sabedoria.
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É através do pensamento filosófico que encontramos a coragem de enfrentar nossas dúvidas e incertezas, e é na arte de filosofar que descobrimos a beleza da busca constante pelo conhecimento e pela verdade. Obrigada ao professor e filósofo Luís Lemos pelo convite e pela oportunidade de compartilhar minha história com os leitores do Eu Sem Fronteiras.
Espero que, assim como a filosofia transformou a minha vida, ela possa também tocar o coração e a mente de muitas outras pessoas, inspirando-as a explorar e a amar o pensamento filosófico.