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A chorona

Criança coçando os olhos, chorando e se sentindo triste.
Studio Grand Web / Getty Images / Canva Pro
Escrito por Nina Veiga

Diante de uma criança ou adulto chorando, nossa primeira reação pode ser o desespero. Neste texto, explore a importância de ouvir com o coração e entender as emoções de quem chora. Técnicas de autocontrole e empatia podem mudar a forma como lidamos com o choro, criando relações mais humanas e saudáveis.

Diante de uma criança chorona, a maioria de nós se desespera. Ficamos irritados, intolerantes, queremos calar o chorão a todo custo. Dificilmente paramos para tentar entender realmente aquela alma que chora. Quase nunca nos colocamos em seu lugar para tentar compreender o que sente em seu íntimo. Fazemos assim, é natural, porém isso pode ser um reforçador negativo eternamente presente na vida dessa pessoa. Quem sabe da próxima vez que escutarmos um chorinho, a gente não se esforce um pouquinho e tente ouvi-lo com o coração.


Ela tinha medo de chorar. Desde que ficara mocinha, prometera a si não mais chorar por tudo e por nada. Quando pequena, era chamada de chorona. A tia-avó dizia, quando ela começava o berreiro, “lá vem o carro de boi” – referência maldosa ao som ‘nheco-nheco’ que a roda da pesada carreta produz.

Agora, promessa feita, não chora mais. Para isso, faz uso de diversas técnicas por ela mesma, desenvolvidas ou copiadas. A mais comum delas, de efeito nem sempre eficaz, é morder o lábio com força. A mordida doída funciona mais em momentos de raiva leve.

Antes disso, na primeira palavra grosseira, no primeiro empurrão, as lágrimas saltavam-lhe aos olhos, antes mesmo que um pensamento se manifestasse em sua mente. Era automático. Isso a deixava com mais raiva de si, do que o próprio acontecido. Lembrar esses episódios fortalecia sua determinação de nunca mais chorar.

Olhos de uma mulher lacrimejando.
Chepko / Getty Images / Canva Pro

Outra coisa que lembrava como uma voz fantasmagórica, vinda do passado de chorona, era a voz imperativa que ordenava: engole o choro! E repetia, ainda mais severa, en-go-le-o-cho-ro! Ai, que lembrança mais dolorosa. Dava vontade de chorar só de lembrar. Mas não choraria mais, prometia.

Desenvolveu um método, praticado muito amiúde na adolescência, para engolir o choro: cantarolava. Enchia a mente, repetindo sempre a mesma canção que escolhia de acordo com a ocasião. Enquanto recebia a bronca, a desfeita ou a agressão verbal, cantarolava mentalmente. Assim, procurava manter os ouvidos fechados. Quase sempre dava certo e, quando não dava, mordia o lábio de raiva.

Ultimamente, levando menos bronca ou discursos violentos, utilizava a técnica também diante de situações de desamparo ou fracasso. Cantarolava. Porém, o repertório era outro. Agora, soltava a voz da mente utilizando pequenas canções de fé. Na maioria das vezes, tentava mentalizar um hino da época em que estava.

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Em maio, cantava: “Maria de Nazaré, Maria me cativou, fez mais forte a minha fé e por filho me adotou”. Em junho: “São João dararão, tem uma gaita tarará, quando toca rará, bate nela. Todos os anjos jororos tocam gaita rará, tocam gaita rará aqui na Terra”.

Nesta época de Micael, provavelmente, diante de uma situação de estresse, veremos a ex-chorona cantarolar: “São Micael, vença o dragão e ponha a coragem no meu coração”.

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

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