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A romeira esquecida

Imagem de uma mulher fazendo romaria em uma estrada de terra em pleno pôr do Sol.
By-studio / Getty Images / Canva Pro
Escrito por Nina Veiga

Esta carta é dedicada a Padre Victor, padroeiro de Três Pontas, Minas Gerais, onde o autor expressa seu arrependimento pela distância física e espiritual da cidade e de suas tradições. Ele reflete sobre o tempo passado, mencionando como sua vida se afastou das práticas religiosas, mas reconhece a presença de Padre Victor nas graças alcançadas.

Dedico essa carta a todos os trespontanos, de sangue ou escolha, que, distantes da terra natal, Três Pontas, Minas Gerais, deixam passar desapercebidamente o dia do padroeiro da cidade, envolvidos que estão com suas vidas em outras cidades.

Peço, por mim e por todos eles, a bênção de Padre Victor, Anjo Tutelar desta cidade mineira, que tutela por nós e nos perdoe a ausência em suas tradicionais romarias e o esquecimento momentâneo de suas graças.

Prezado Padre,

Faz tempo que não nos vemos ou falamos. Quero começar pedindo desculpas, pois faz anos que me esqueço do seu dia. Quero seu perdão. Sei que seu perdão é muito, na medida exata da minha necessidade pecadora.

Sabe, Padre, as coisas mudaram muito comigo. Não foi só da sua forania que me transferi, mas das coisas as quais você ama e conhece. Ter estado contigo um dia, nesse meu mundo atual, parece um sonho antigo. Tempo, tempo, mano velho, como diz a música: falta um tanto ainda, eu sei.

Mas, amado Padre, não quero perdê-lo, por isso essa carta no seu dia. Não quero tê-lo apenas como foto ou lenda. Mito esquecido na prateleira de estátuas. Não quero esquecer da sua ajuda nos momentos mais difíceis, das velas acesas em teu memorial, das promessas feitas, ansiadas, sentidas, esperadas, atendidas sempre.

Imagem de uma mulher peregrina ao pôr do sol.
By-studio / Getty Images / Canva Pro

Sabe, Padre, essa carta, entre o quero e o não quero, fala um pouco do meu tempo, tempo, tempo agora. Tempo de matérias brutas e imanentes. Tempo de redes de gente-gente-gente. Tempo onde a presença do invisível atua para ser revelada presença. Tempo esquecido dos terços e ladainhas. Tempo esquecido das velas e pedidos. Tempo de presente na presença.

No entanto, querido Padre, estar vivendo no hoje a presença dos pedidos atendidos do passado, onde o futuro era todo desejo, esperança, vontade, promessa, dá uma sensação de realidade. Realidade nunca sentida entre as velas acesas, entre as lágrimas derramadas, entre as pedras gastas do terço na mão trêmula. Sensação de realidade que é vida, imanência, alegria, implicação e estada.

Parece, santo Padre, que a força e o desejo da oração metamorfoseiam-se em coragem e capacidade de realização. Parece, doce Padre, que o antes do desejo se transformou no agora da intensidade viva da vida.

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Neste dia, padre, ajoelho-me em pensamento diante da tua imagem. Sinto o chão firme sob os ossos, pressionando a carne. Vejo a aura luminosa sobre a cabeça de pedra viva.

Relembro os momentos em que o futuro e a esperança eram todo o tesouro depositado na tua confiança. Percebo, agora, mesmo distante em prática e pensamento, o quanto tua vibração serena me move.

Meu nome, santo Padre Victor, neste dia, é para sempre eternamente, gratidão. Agradeço o amor paternal, daquele que forma e liberta, daquele que ajuda incondicionalmente e se alegra no esquecimento.

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

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