Enquanto começo a escrever esse texto, escuto o choro fino da Meia-Lua, uma vira-lata desajeitada que parece se sentir traída por ter seu passeio matinal trocado por uma escrita. Parece que o barulho do teclado faz silenciar o choro canino, mas, no fundo, de mim há um som que não cessa.
O som das passadas no cascalho da estrada de terra, numa vida pacata e ritmada, ao se tensionar com o som das turbinas, dos aviões, das vozes nas conferências. Vida cindida, por vezes antagônicas, por vezes complementares. Vida que cão algum consegue imaginar, de dentro de sua vontade canina de passear.
Não resisti. Parei de escrever a atendi aos apelos da cachorra. É que abri por um momento a janela e a cachorrinha pulou nela como que perguntando: já vamos? Foi então que parei de digitar aqui. Foi então que esqueci do tempo, que esqueci das malas, das anotações para a próxima conferência e entreguei-me ao devir caminhante, dando vazão à alegria canina e fazendo jus ao amor incondicional da vira-lata por mim.
Amor. Talvez seja esse, seja um meio para criar mais pontes temporais em meus entre mundos. Amor a produzir tempo. O tempo intensivo do coração: Kairós. Kairós, tempo reconciliável, tempo da arte, das percepções sutis. Tempo outro. Tempo que torna os fazeres simultâneos: escrever, passear com o cão, dar conferências. Indistintas atuações no campo da alma que ama.
Você também pode gostar
Kairós produz um conceito de nome complicado: caosmose e no âmbito brincante desta escrita: cãosmose. Através do conceito de caosmose (junção das palavras caos, osmose e cosmos), pode-se dizer que esses meus universos de interesse são feixes, fluxos de dimensões múltiplas, que se entrelaçam, na produção de uma trama complexa de vivências. No caso de hoje, os fluxos foram disparados por um agente: o choro do cão. Choro de cão a produzir amor, filosofia, escrita e atividade física saudável.