Intuição! Eis uma ferramenta que temos ao nosso dispor, mas que nem sempre a usamos. Na maioria das vezes, ignoramos as vozes intuitivas que nos poderiam auxiliar muito, nas mais simples ações do cotidiano, às complexas e sofisticadas armadilhas nas quais caímos frequentemente por falta de atenção à voz intuitiva.
Ela acordou pensando em ditongação. O termo não saía de sua mente: ditongação, ditongação… Uma vaga lembrança dos tempos em que cursara a faculdade de Letras percorreu-lhe a memória.
Foi tomar café. Enquanto passava “tahine” na tapioca recém-feita, a palavra invadiu-lhe a mente novamente. Que seria aquilo? Por que aquela palavra a estava perseguindo desde o momento em que abrira os olhos?
Estava ocupada, muito havia para fazer até que suas gravações para a nova série de podcast estivessem prontas. Desde ontem, estava a gravar pequenos programas que seriam veiculados pela internet para quem se interessasse por manualidade escrita. Por isso, não tinha tempo para digladiar-se com uma palavra intrometida que nada dizia sobre a que veio.
Ditongação. Passou em revista o que lembrava do termo: transformar uma vogal em ditongo. Mas a definição leviana não tinha o poder de esclarecer as razões pelas quais a dita estava insistindo em ficar.
Resolveu ir ao dicionário. Aventurou-se pelo papel. Subiu na banqueta, escalou a estante da biblioteca e tirou de lá o velho e esquecido “Grande dicionário etimológico prosódico da Língua Portuguesa”, volume II, B-D. Abriu e imediatamente o cheiro do tempo impregnou-lhe as narinas.
Só faltava essa, pensou, além da palavra, agora é o cheiro de livro velho que me invade. E olha que não são nem oito da manhã. Ainda resmungando, percorreu a página intitulada Ditirambo: Ditologia, Dítomo, Ditongação, dizia: “s. f. Formação de ditongo, quer por síncope, quer por vocalização de consoantes, quer por esforço muscular”. Metaplasmo atrevido!
Você também pode gostar
Resolveu ignorá-lo e foi ao trabalho. Abriu o computador e começou a revisar o trabalho da noite anterior. Colocou os fones de ouvido, apertou o “play” e escutou: “Nóis vamos começar a pensar”. “Nóis?” “Nóis?” Desde quando ela começou a falar “nóis”?
Estava lá a mudança fonética: ditongação! Desde que acordou, aquela que habitava dentro dela estava a tentar alertá-la: cuidado com o sotaque, está produzindo ditongação.
Pediu desculpas ao si dentro de si e apertou o botão de apagar. Não permitiria que a semivogal se inserisse por acréscimo. Apertou o “rec” e repetiu a gravação: “Nós vamos começar a pensar nas manualidades escritas”.