Em um arquivo de aço no canto do escritório, no centro da cidade, as pastas azuis organizam as folhas de jornal em ordem cronológica. Ladeira acima, na pequena biblioteca, os jornais se multiplicam, empilhados ao lado de revistas e livros nas prateleiras de ferro preto.
Em outro extremo da cidade, na casa azul de janelas brancas, um caderno universitário traz coladas as crônicas recortadas semanalmente do jornal. Rua abaixo, na pequena sala, anexa ao galpão de reciclagem, as edições antigas dos jornais, que as coletas trazem diariamente, são lidas por olhos atentos.
Na parede, o catador fixa os recortes do que interessou, o time local que não ganhou o campeonato, a receita de bolo de laranja, a festa da padroeira que reuniu gentes de fé, a safra que bateu recorde, mas não melhorou a vida de quem trabalha.
Estranhas lembranças, arquivos do ido que permanecem. Tempos antigos esses, dos papéis guardados, das memórias materializadas. Para onde foram esses guardados, nessa época de bites e cliques? Onde habitam os textos que nos convocam a atenção? Será que acontece com eles o mesmo que aconteceu com as fotos, quando as câmeras digitais permitiram que, ao invés de 12, 24 ou 36 poses, pudéssemos fotografar ao infinito?
Passada a novidade, a fotografia perdeu a graça da memória, tornou-se efêmera. Quando guardada, nunca mais foi visitada. Aos poucos, perdeu-se o gosto de olhar fotos antigas, amareladas pelo tempo, nos álbuns, das mesas de centro. Afinal, para os fotógrafos de hoje, só esse momento importa fotografar, antes de descartar.
Você também pode gostar
Será assim com os textos? Tem um poema do Ferreira Gullar, que eu gosto tanto e que lia e relia, por anos, até o papel afinar. Lá o poeta dizia: “Me leve no seu lembrar, E se aí também não possa, por tanta coisa que leve, já viva em seu pensamento, moça de sonho e de neve, me leve no esquecimento”.
Só agora, enquanto escrevo essas questionadoras linhas, compreendi o título do poema: “Cantiga para não morrer”. Será que esses textos que lemos em telas, que não amarelam em nossas mãos, que não se guardam em pastas de plástico azul, nem são fixados em murais nas paredes, será que esses textos ligeiros, prezados leitores, são, ao menos, arquivados no esquecimento?